1930
Argélia
ProjetoIdiomas disponíveis
Français
Português
Colaborador
Ceres Luisa Martins (2017); Igor Queiroz; Leonardo Vieira (2017)
Le Corbusier e Pierre Jeanneret: Plano Obus ("projeto A"), Argel, 1931. Perspectiva das habitações de Fort l'Empereur (detalhe da prancha). Crédito da imagem: © FLC/ADAGP.
Detalhe da maquete para o Plano Obus (1930), em foto de Lucien Hervé. Crédito da imagem: © FLC/ADAGP.
Detalhe da maquete para o Plano Obus (1930), em foto de Lucien Hervé. Crédito da imagem: © FLC/ADAGP.
Elevações e plantas dos principais elementos do Plano Obus. Na parte central, detalhe do viaduto com os seus arcos inferiores para permitir a passagem.
Plano Obus - Projeto A, apresentado no segundo volume da "Œuvre complète" de Le Corbusier e Pierre Jeanneret.
Plano Obus - Projeto A, apresentado no segundo volume da "Œuvre complète" de Le Corbusier e Pierre Jeanneret.
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O Plano de Obus projetado por Le Corbusier no ano de 1930 para a cidade de Argel (Argélia) foi composto por 3 fases - a primeira, chamada Plano Obus A (de 1930 a 1933). O caráter de "megaestrutura" apresentado por Le Corbusier no projeto expressa o resultado de 20 anos de estudos de desenho urbano e também mostra a influência do projeto da Ville Radieuse (1930), também feito por ele.
Le Corbusier recebeu a solicitação de transformar Argel em uma cidade capital, e que servisse de refúgio ao governo francês, diante da possibilidade da ocupação nazista na França. Sendo Argel uma colônia francesa de topografia bastante irregular em seu interior e com uma costa mais regular, o arquiteto resolveu responder a esta geografia local e abranger também a característica mediterrânea da cidade. O conceito do Obus A era projetar uma cidade com um só edifício, existindo nele o viaduto (habitado pelas classes trabalhadoras), o grande complexo residencial (blocos habitacionais para as classes média e alta), a área de serviços administrativos, situado na costa (beira mar) e uma rodovia elevada, que ligava o grande complexo residencial com o centro de negócios (serviços administrativos). Um ponto importante também é a fuga de Le Corbusier a princípios propostos posteriormente na Carta de Atenas (1933), por exemplo, quando não utiliza a ideia da tábua rasa e do zoneamento de funções no projeto de Argel. O que aparece bastante presente é o conceito da mobilidade.
No Plano Obus B (1933), o viaduto é eliminado e as funções administrativas concentram-se todas em um único prédio (arranha-céu). Já no Plano Obus C (1934) o complexo residencial também transforma-se em apenas um grande edifício, que tornou-se foco principal das propostas para o Plano Obus D (1938) e o Plano Obus E (1939). Apenas em 1942 é definido, então, o último Plano de Obus (Plano Diretor). Mais convencional, divergindo-se, de forma drástica, do primeiro plano (Obus A) em suas questões formais. Além de ser dominado pelo zoneamento, uma estrada costeira substituiu o viaduto, a área administrativa saiu da costa, o centro cívico foi transportado e, na costa, foram idealizadas instalações recreativas.
O Plano Diretor apareceu, então, de forma fragmentada, de acordo com as necessidades de regularizar a cidade de Argel. Acredita-se que o dito "fracasso" do Plano Obus A foi o envolvimento do arquiteto com a paisagem, limitando-o a detalhes e não a um conceito geral. Se para o movimento moderno os elementos mais ousados do plano foram importantes para o discurso arquitetônico, para a cidade e sua malha a influência destes elementos foi mínima. Tanto que apenas os aspectos mais realistas de seus planos atingiram Argel e sua futura arquitetura.
Le Corbusier, 1995 [1934]
Le Corbusier e P. Jeanneret estabeleceram, de início, um plano geral denominado ‘plano obus', com vistas a romper de uma vez por todas com as normas administrativas e, assim, instaurar no urbanismo as novas escalas de dimensões exigidas pelas realidades contemporâneas.
O projeto tem três partes:
A. - Criação de uma Cidade de Negócios nas terras da Marinha, previstas atualmente para serem demolidas (após o Cabo de Argel).
B. - Criação de uma Área residencial [Cité de résidence] no terreno atualmente inacessível do Fort-l'Emperor (entre as cotas 150-200 metros), por meio de uma passarela que avança da Cidade de Negócios para estes terrenos livres.
C. - Ligação entre duas áreas periféricas nos limites de Argel - de St.-Eugène a Hussein-Dey - por uma autoestrada implantada na cota de 100 metros, à frente das falésias; esta autoestrada se apoia em uma estrutura de concreto, com altura variando entre 90 e 60 metros, na qual estão dispostos alojamentos para 180.000 pessoas. Estes alojamentos têm condições ótimas de higiene e beleza. O projeto dispõe, assim, de duas soluções essenciais para qualquer cidade: o planejamento da circulação rápida e a criação do volume de habitações necessárias. [p. 140-142]
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Le Corbusier et P. Jeanneret ont établi d'abord un projet général, dénommé «projet obus», destiné à briser une fois pour toutes les routines administratives et à instaurer en urbanisme les nouvelles échelles de dimensions requises par les réalités contemporaines.
Le projet est en trois parties:
A. - Création d'une Cité d'Affaires sur les terrains de la Marine, voués actuellement à la démolition (au bout du cap d'Alger).
B. - Création d'une Cité de résidence sur les terrains actuellement inaccessibles de Fort-l'Empereur (côte 150 à 200 mètres), par le moyen d'une passerelle jetée de la Cité d'Affaires vers ces terrains libres.
C. - Liaison des deux banlieues extrêmes d'Alger: St-Eugène à Hussein-Dey - par une route autostrade établie à la cote 100 mètres, au-devant des falaises; cette autostrade est supportée par une structure de béton d'une hauteur variant le sol de 90 mètres à 60 mètres, et dans laquelle seraient aménagés des logis pour 180 000 personnes. Ces logis sont dans des conditions optima d'hygiène et de beauté. Le projet fournit ainsi les deux solutions indispensables à toute ville: aménagement des circulations rapides et création des volumes d'habitations nécessaires. [p. 140-142]
Barbara Freitag, 2007 [2006]
"Para a cidade de Alger [Le Corbusier] desenvolveu, em 1931, o projeto de uma ‘cidade de negócios' que ficou conhecida como Plano Obus, em virtude do desenho de um dos edifícios. Ele acompanhava o litoral por dois quilômetros e destinava-se à administração pública. Esse ‘novo' Le Corbusier passou a exercer influência sobre uma nova geração de urbanistas e arquitetos, entre eles, franceses, italianos e brasileiros, que assimilaram as idéias e propostas para remodelar, no caso do Brasil, cidades já existentes e para desenvolver, na prancheta, cidades planejadas, como Goiânia e Brasília. [...]" [p. 62]
Ana Cláudia Castilho Barone, 2002
Formalmente, o desenho do edifício do muro remete a soluções propostas por Le Corbusier para algumas cidades de países deslocados do eixo Europa-Estados Unidos-Japão. No projeto para Argel, Le Corbusier propunha um edifício extenso que desenhava curvas sobre o terreno plano, em um diálogo que via o edifício como elemento inserido e definidor de uma leitura da paisagem. No projeto para o Rio de Janeiro, a mesma solução de edifício linear assumiu a forma de duas retas ortogonais como contraponto à topografia dos morros da cidade. [...] [p. 179]
Kenneth Frampton, 2008 [1980]
Em 1929, antes de concluir seus projetos para a "cidade radiosa', Le Corbusier visitou a América do Sul, onde transportado pelos aviadores pioneiros Mermoz e Saint-Exupéry, teve a estimulante experiência de admirar uma paisagem tropical vista do ar. A partir desse vantajoso ponto de observação, o Rio de Janeiro impressionou-o como uma cidade linear natural, colocada como uma estreita faixa ao longo de sua corniche, com o mar de um lado e, do outro, rochas vulcânicas íngremes. A forma desse terreno urbano parece ter sugerido espontaneamente a idéia da cidade-viaduto, e Le Corbusier imediatamente esboçou uma extensão do Rio em forma de uma via costeira de seis quilômetros de comprimento, cem metros acima do solo e compreendendo quinze andares de "lugares artificiais" para uso residencial, colocados sob a superfície da via. A megaestrutura resultante era mostrada em corte como estando elevada acima do nível médio da altura dos telhados da cidade.
Essa proposta inspirada levou diretamente aos projetos para Argel, desenvolvidos de 1930 a 1933. O primeiro deles projetava uma megaestrutura de auto-estrada para toda a extensão de uma corniche igualmente espetacular, que recebeu o nome de Obus pelo fato de sua côncava inserção na baía lembrar a trajetória de uma granada. (Observe-se, mais uma vez, a apropriação de um termo militar.) Com seis andares sob sua superfície de estrada e doze acima, a idéia da "cidade-viaduto" tornou-se uma realidade. Separados por cerca de cinco metros, cada um desses pisos constituía um lugar artificial, onde se imaginava que cada proprietário pudesse erguer unidades de dois andares "em qualquer estilo que lhes parecesse o melhor". Essa criação de uma infra-estrutura pública, porém pluralista, concebida para a apropriação individual, estava destinada a difundir-se consideravelmente entre a vanguarda arquitetônica anarquista do período posterior à Segunda Guerra Mundial (por exemplo, nas infra-estruturas urbanas propostas por Yona Friedman e Nicolaas Habraken). [p. 218-219]
Rodrigo Kamimura, 2011
Mas voltemos então à questão inicialmente exposta: em que medida o comprometimento com o desenvolvimento tecnológico de Archigram poderia realmente ter constituído uma posição nova, na busca de uma continuidade com o "moderno dos inícios"?
Tal prerrogativa poderia ser abordada a partir da problemática entre arquitetura e consumo, conforme sugerida pelo historiador italiano Manfredo Tafuri em Projecto e utopia, livro de 1973. Para o autor, essa questão não era nova, mas já havia sido antecipada há pelo menos algumas décadas. Ao analisar o projeto para Fort l'Empereur, de Le Corbusier (Argel, 1931), Tafuri (1985) o identifica como sendo "a hipótese teórica mais elevada da urbanística moderna, ainda insuperada tanto a nível ideológico como formal". Distanciando-se do rigor tipológico Neue Sachlichkeit dos anos 1920, Le Corbusier demonstra em Argel - "com uma lucidez sem paralelo no âmbito da cultura progressista europeia" - as novas tarefas a serem enfrentadas pelos arquitetos naquele momento: as da organização do ciclo produção-distribuição-consumo (TAFURI, 1985, p. 88-90).
A grande estrutura prevista, seguindo o esquema "Dom-ino", consiste de lajes suspensas por pilotis que compõem uma matriz neutra, capaz de comportar vários tipos de configurações espaciais, à maneira de um parcelamento urbano vertical; ou seja, é possível personalizar a célula unifamiliar de acordo com as necessidades - e o gosto - de cada usuário. A máxima liberdade permite mesmo que elementos excêntricos e ecléticos sejam utilizados dentro da malha, "permitindo ao próprio público - ao proletariado no caso da serpentina que se desenrola à beira-mar e à alta burguesia nas colinas de Fort l'Empereur - a explicação do seu ‘mau gosto'" (é conhecido o esboço feito por Le Corbusier no qual prefigura, no centro do desenho e em meio à megaestrutura, a residência em estilo "árabe"). Propõe-se, assim, "uma comparticipação total do público", convidando-o a "tornar-se projetista ativo da cidade" (TAFURI, 1985, p. 88-90).
A partir dessa interpretação, o crítico italiano rebate a tese colocada por Reyner Banham em "Teoria e Projeto na primeira era da máquina". Banham estaria equivocado ao acusar a "estaticidade tipológica dos mestres do ‘Movimento Moderno'" - afirmando que esses não haviam levado em conta a variedade e a possibilidade de escolha como fatores decorrentes do desenvolvimento tecnológico -, pois, nesse sentido, tais prerrogativas já teriam sido colocadas por Le Corbusier em Argel. E ainda, numa referência óbvia a Archigram, completa: "É talvez supérfluo fazer notar que toda a fantasciência arquitetônica que proliferou desde os anos 60 até hoje, resgatando a dimensão ‘de imagem' dos processos tecnológicos, é - relativamente ao plano Obus de Le Corbusier - retrógrada do modo mais desolador" (TAFURI, 1985, p. 90-91, nota 79).
De fato, Banham parece ter relevado críticas como as de Tafuri: em seu livro Megaestruturas: futuro urbano do passado recente, publicado em 1976 - ocasião que permitia uma abordagem do assunto a partir de uma perspectiva histórica um pouco mais sedimentada -, o crítico inglês reconhecia um certo esgotamento daquela euforia supertecnológica dos 1960. Apontava o período de maior esplendor e intensa produção megaestrutural como sendo "um dos destinos inevitáveis do movimento moderno", mas também como algo que revelava uma atitude sintomática, espécie de tentativa desesperada por parte dos arquitetos não somente de manter o controle sobre a complexidade dos processos metropolitanos, como também de torná-los legíveis aos olhos da própria profissão arquitetônica. [...]
Em sua genealogia histórica, Banham reconhece o projeto para Fort l'Empereur como o "precursor mais geral" das megaestruturas, ainda que tal estratégia de projeto não tenha sido assumida como tema de importância central para Le Corbusier [...]
Banham reconhecia que aquele ânimo hipertecnológico que havia fomentado as imagens de futuro dos 1960 era, na verdade, o indício claro de uma nostalgia do vigor de movimentos como o futurismo italiano e das elaborações dos anos 1920, no qual a arquitetura buscava predizer o desenvolvimento das cidades mediante gestos contundentes e precisos, sem perder de vista as elaborações sobre a sua forma. Esse era o "moderno dos inícios" de Archigram que, no entanto, após a elaboração dos projetos megaestruturais de Plug-In City, Walking City, Interchange City, Underwater City - todos do "mega-ano" de 1964 - voltava suas atenções para dispositivos móveis e ubíquos de interface homem-ambiente, por meio dos quais gradativamente desaparecia a ênfase dada ao desenho total da cidade.
Um argumento interessante a respeito dessa busca pelo desenho dos objetos arquitetônicos e pela representação dos processos urbanos é apresentado por Alan Colquhoun (2005), em La arquitectura moderna: una historia desapasionada. Ao analisar a produção de Archigram, Colquhoun (2005, p. 223) a insere no âmbito da produção megaestrutural; para o autor, seria possível rastrear as "visões urbanas" elaboradas no período de 1930 a 1965 a partir de duas matrizes principais de elaboração, ambas corbusianas. À primeira matriz corresponderia a Unité d'Habitation em Marselha (1947-1952), e à segunda, o projeto para Fort l'Empereur em Argel (1931) [...]
Assim, à primeira matriz estariam associados os debates suscitados por Josep Lluís Sert, Fernand Léger e Sigfried Giedion no âmbito dos CIAM na década de 1940 e as propostas para Chandigarh e Brasília, com seu caráter monumental e conotações nacionalistas. À segunda, as formulações do Urban Structuring do Team X e as megaestruturas dos 1960, ficando então estas últimas em débito com Fort l'Empereur no que concerne ao esquema da "infraestrutura interminável com um preenchimento arbitrário".
Plug-In City está associada a essas características megaestruturais descritas por Colquhoun e Banham: flexibilidade e variedade dentro de uma estrutura predeterminada. Mas a rigidez que ainda se revela quando a analisamos mais atentamente a faz oscilar da "infraestrutura interminável com um preenchimento arbitrário" em direção à "totalidade desenhada até o mínimo detalhe", dada a insistência exaustiva sobre o desenho de Archigram. Não por acaso, Tafuri apontava Fort l'Empereur como a hipótese mais elevada do urbanismo moderno, "ainda insuperada tanto a nível ideológico como formal" [...]
Na Plug-In City de Archigram, as cápsulas espaciais, as plataformas de petróleo, os capôs de automóveis, bobinas, computadores e embalagens descartáveis são as "imagens" da sociedade tecnológica que servem de referência para a sua mimese formal, não admitindo a montagem como processo de incorporação de ready-mades. Assim, a flexibilidade, a multiplicidade e a variedade propostas por Le Corbusier revelariam desdobramentos indeterminados que ainda seriam mais "avançados" do que o desenho da flexibilidade, da multiplicidade e da variedade. Retomando Tafuri (1985, p. 88), poderíamos dizer que, em Plug-In City, as ambiguidades do próprio desenvolvimento metropolitano não são inteiramente absorvidas, e não exploram a efetividade das contradições "do problemático e do racional, a composição ‘heroica' de tensões violentas", como Fort l'Empereur.
[...] Plug-In City permanece no plano especulativo do papel, como possibilidade de apreensão de um "futuro urbano" próximo, ou como mero exercício criativo. "Peter Cook: adora ilustrar analogias e metamorfoses - ao invés de escrever sobre elas. [...] Ron Herron: desenha como em um sonho... sem aparentar esforço algum" (COOK et al., 1973, p. 140-141); por trás dos inúmeros esquemas publicados de Archigram haveria ainda "em torno de mil e quinhentos desenhos de estudo - estima-se -, a maioria perdida" (COOK; CROMPTON, 1998 apud SADLER, 2005, p. 22). [p. 187-193]
Tiago Zulian, 2014
Argel era uma colônia francesa desde o século XVIII, com topografia acidentada no interior e mais plana a beira-mar. A cidade seria estrategicamente utilizada como refúgio do governo francês durante a ocupação nazista. Então é solicitado a Le Corbuser que transforme a cidade em uma capital, e para isso elabora um plano de ocupação que é dividido em três fases. A primeira data de 1930 a 33 e procura seduzir o cliente. Esta fase representa o culminar dos seus estudos de desenho urbano realizados ao longo dos anos 20, especialmente das pesquisas para a cidade radiante.
Segundo Frampton (2008), a proposta do Rio levou diretamente aos projetos para Argel, desenvolvidos de 1930 a 1933. [...] Essa criação de uma infraestrutura pública, porém pluralista, concebida para a apropriação individual, estava destinada a difundir-se consideravelmente entre a vanguarda arquitetônica anarquista do período posterior à Segunda Guerra Mundial.
Frampton (2008) diz que o projeto de Le Corbusier para Argel foi sua última proposta urbana de grandeza esmagadora. Com a mesma sensibilidade presente no Parque Güell de Gaudí, seu entusiasmo enlevado parece ter-se consumido ali num poema apaixonado à beleza natural do Mediterrâ- neo. A partir de então, a sua abordagem do planejamento urbano iria tornar-se mais pragmática.
Com uma escala diferente da cidade antiga, o plano envolve três ingredientes que procuram configurar a cidade: o viaduto habitado, o grande complexo residencial e os serviços administrativos, junto ao mar. Le Corbusier apresenta a primeira mega-estrutura. A grande novidade da proposta era essa: fazer cidade com um só edifício.
Comum a todas as propostas utópicas do século XX, também o plano de Corbusier trata o tema da mobilidade. No entanto, quebra com alguns dos princípios da Carta de Atenas, nomeadamente quando não submete a cidade ao zoneamento de funções. [p. 159-160]
Rafael Splinder da Silva, 2005
Os precedentes corbusianos e a obra de Reidy foram relacionados entre si por Sidfried Giedion no livro Space, Time and Architecture e logo por Sérgio Bracco que, assimilando as idéias de Giedion, consegue perceber a influência dos projetos de Argel e do Rio de Janeiro na obra do Pedregulho. Ao longo do desenvolvimento de seu repertório de projeto, Le Corbusier deixa claro que a arquitetura enquanto criação humana deve rivalizar com a paisagem natural em um diálogo de complementação que resultará em um equilíbrio dinâmico. Sem a arquitetura, a paisagem não pode oferecer todo o seu esplendor a favor do homem. Desta forma, a arquitetura não deve confundir-se com a paisagem, mas sim, promover um destaque entre si. Ambas são valorizadas e se complementam. Este [sic] forma de entender a relação entre objeto e natureza, assemelha-se muito à maneira em que foi concebida a disposição espacial dos edifícios do Pedregulho, embora neste caso, rivalizar parece não ser o termo adequado. De fato o mecanismo projetual corbusiano está presente ao longo de todo o desenvolvimento do projeto. No memorial de intenções, foi estabelecido que o deslocamento do morador até seu posto de trabalho deveria ser realizado em um tempo mínimo possível, que no caso do Pedregulho, não deveria ser superior a 30 minutos a partir do conjunto residencial.
No ano de 1930, logo após sua primeira estada no Brasil, Le Corbusier desenvolve um projeto de reurbanização para a cidade de Argel no norte da África onde projeta uma série de tipologias urbanas com o propósito de regular propriedades e reorganizar leis de desenvolvimento urbano para a cidade. A análise territorial realizada por Le Corbusier para esta cidade é muito similar à realizada anos antes para a cidade do Rio de Janeiro. Descreve a futura capital do norte da África como uma cidade que está em pleno curso de desenvolvimento e que vislumbra um grande futuro pela frente, devendo assim, criar fortes bases que regulamentem e organizem o território. Destaca sua extraordinária posição geográfica junto ao mar, as montanhas e o pôr do sol compondo um cenário precioso sobre a cidade ressaltando que todas as precondições necessárias para que a cidade se torne uma das capitais mais lindas do mundo estão presentes. Desta forma, é compreensível que Le Corbusier recorra à proposta urbanística desenvolvida para a cidade brasileira [...], voltando a utilizar o edifício contínuo apoiado em uma estrutura viária de grande altura sobre o terreno existente, devido à impossibilidade econômica de desenvolver uma proposta ao nível do mar. Junto ao grande edifício contínuo, projeta outras edificações dispostas de forma orgânica junto à encosta de uma pequena montanha, que criam como no conjunto das edificações do Pedregulho, relações compositivas e visuais com a grande barra contínua [...].
Estas edificações implantadas na encosta da montanha da cidade de Argel, apresentavam regras compositivas que tinham como objetivo promover relações visuais entre paisagem e arquitetura por meio de um dinâmico diálogo entre o construído e o natural, onde o objeto arquitetônico interferisse o menos possível junto as visuais naturais existentes entre a montanha e o mar. Para lograr esta intenção, Le Corbusier definiu que os edifícios dispostos sobre as encostas da montanha deveriam apresentar junto ao pavimento de acesso [...], pilotis que permitissem uma permeabilidade visual junto à natureza do lugar. A solução arquetípica desenvolvida pelo arquiteto europeu para esta proposta foi claramente adotada por Reidy na configuração do bloco A do Pedregulho.
Também desenvolvida por Le Corbusier para a cidade de Argel, no ano de 1933, o loteamento Durand propôs em uma área de 108 hectares, a construção de quatro grandes blocos de edifícios com capacidade de 300 famílias cada, que eram circundados por grupos lineares de pequenas edificações unifamiliares. As relações compositivas entre os edifícios e o terreno, nesta proposta, foram desenvolvidas de forma inversa às encontradas no projeto de Reidy para o Pedregulho. No projeto de Argel, é a linha das edificações menores que está implantada seguindo o contorno topográfico natural do terreno, enquanto que os grandes blocos estão repousando sobre um platô horizontal [...].
O racionalismo e a necessidade de se obter uma hegemonia social na moradia, fazem com que o arquiteto desenvolva o programa de necessidades das vivendas buscando um maior grau de igualdade compositiva possível, independentemente se estas estão localizadas de forma coletiva nos grandes blocos, ou dispostas individualmente em pequenas unidades. Para obter este resultado, Le Corbusier adota uma tipologia escalonada nos grandes blocos, possibilitando assim, o surgimento de pequenos terraços ou jardins descobertos [...]. Com esta atitude, as residências localizadas nos blocos dos grandes edifícios possuem superfícies descobertas que conformam espaços similares aos encontrados nos pátios das casas individuais. Esta engenhosa solução tipológica resultou no desenho de um objeto distinto relacionado aos demais edifícios projetados na cidade pelo arquiteto. O escalonado resultante das distintas posições dos terraços em cada pavimento, resulta no desenho de um objeto com um aspecto inclinado que de forma artificial busca imitar a tipologia natural do lugar, neste caso, a encosta da montanha. Agora, o plano inclinado não é mais disposto naturalmente pela topografia, mas sim, construído pelo homem no sentido de domínio, respeito e reconhecimento do espaço natural.
Os planos para Argel possuem a capacidade de respeitar as demandas de liberdade individual, dar suporte a coletividade da sociedade, à economia e à produção, preceitos básicos presentes na descrição de Reidy sobre o projeto do conjunto Pedregulho. Outra característica que está presente em ambas as propostas é a estrutura baseada em princípios biológicos de demanda, onde o acréscimo ou a retirada das células é realizado segundo princípios biológicos de crescimento, mantendo sempre uma organizada liberdade individual como gênese de proposta.
Cláudia Piantá Costa Cabral, 2007
Banham organizou o que é, até o momento, o mais amplo relato sobre a megaestrutura, situando precedentes, fases de apogeu e decadência, contabilizando esperanças frustradas e realizações. Reunindo número considerável de exemplos, estabeleceu sem dificuldades as relações da megaestrutura tanto com a tradição moderna, quanto com uma cultura não arquitetônica. Origens da idéia remontam ao projeto de Le Corbusier para Argel (1931) e às mégastructures trouvées, conceito talvez aprendido da idéia de objeto encontrado que os Smithsons haviam recuperado das vanguardas, no tempo das discussões do Independent Group. Diante de um marco tão amplo, caberia perguntar até que ponto o conceito é suficientemente elástico para dar conta da totalidade que Banham pretendia designar. Não se trata aqui de uma simples questão de nomenclatura, mas de tentar compreender que significado tiveram as megaestruturas em seu contexto de origem, e como esse significado pode ter sido transformado no ocaso da idéia, cujo repúdio pela cultura disciplinar, como oportunamente destacou Alan Colquhoun, parece ter coincidido com uma reação geral ao Movimento Moderno como um todo, que teve lugar nas décadas imediatamente subseqüentes.
Banham inicia sua exposição com a fotografia da plataforma de lançamento de Cabo Canaveiral, imagem clássica dos sessenta, mas adverte que esse imenso edifício não é uma megaestrutura. Ao contrário do antecipatório projeto de Le Corbusier para Argel, apesar de gigantesca, a plataforma não incorpora a discriminação fundamental entre a ordem genérica da grande estrutura reguladora e a variabilidade das partes habitáveis, e tampouco é uma construção multifuncional.