1987
Brasil, Distrito Federal
PublicaçãoIdiomas disponíveis
Português
Colaborador
Juliana Ribeiro e Ícaro Vilaça
Lucio Costa
1902 - 16
Lucio Costa nasce em 27 de fevereiro de 1902 em Toulon, França. Filho de pais brasileiros, Joaquim Ribeiro da Costa, e Alina Ferreira da Costa, passa grande parte de sua infância morando em diferentes países da Europa em virtude da profissão do pai.
Seus primeiros estudos são feitos em Royal Grammar School em Newcastle, Inglaterra, e no Collège National, em Montreux, na Suíça, entre 1910 e 1916. Em Newcastle tem suas primeiras aulas de desenho, demonstrando grande prazer a habilidade em desenhar.
Em 1916, a família retorna ao Brasil, estabelecendo-se definitivamente no Rio de Janeiro.
1917 - 24
Em 1917, o pai de Lucio Costa, que sempre desejara ter um filho artista, matricula-o na Escola Nacional de Belas-Artes (ENBA), no Rio de Janeiro. Durante o curso, inicialmente dedicado à pintura, Lucio Costa descobre a arquitetura, formando-se em 1924 no Curso Especial de Arquitetura.
Entre 1919 e 1921, trabalha como desenhista na Firma Rebecchi e no escritório Técnico Heitor de Mello, dirigido por Archimedes Memória e responsável por importantes projetos no Rio de Janeiro, entre os quais os principais edifícios da da Exposição Internacional do Centenário da Independência em 1922. Lucio Costa participa do projeto para o Pavilhão das Grandes Indústrias, construído em estilo neocolonial, então bastante praticado em diversos países da América Latina. Nessa época, o jovem estudante envolve-se, inspirado em grande medida por seu professor e líder do movimento neocolonial, José Mariano Filho, no movimento pela criação de uma arquitetura nacional, inspirada nas construções do colonial brasileiro.
Os projetos que realiza então, quer em parceria com Fernando Valentim - seu sócio entre 1922 e 1929 - quer individualmente, seguem em geral as proposições do movimento neocolonial, como o projeto vencedor para o concurso Solar Brasileiro (1923) e a residência Raul Pedrosa (1924) - atual sede da Rio Arte, no Rio de Janeiro - ainda que, em alguns projetos, Lucio Costa tenha se valido do vocabulário eclético, como no seu primeiro projeto pessoal, a casa Rodolfo Chamberland (1921 - 1922)
1924 - 30
Em 1924, Lucio Costa visita pela primeira vez Diamantina, Sabará, Ouro Preto e Mariana, patrocinado pela Sociedade Brasileira de Belas Artes, então empenhada na divulgação e propagação do movimento neocolonial. Em 1926, o arquiteto realiza uma viagem de turismo à Europa, sem no entanto atentar para o movimento moderno que lá se desenvolvia. De volta ao Brasil em 1927, Lucio Costa passa três meses nas cidades históricas de Minas Gerais, onde aprofunda seus estudos sobre a arquitetura colonial. Essas viagens causam grande impacto sobre o arquiteto, despertando-lhe uma postura crítica em relação à produção neocolonial, expressa em seus escritos e entrevistas da época.
Lucio Costa muda-se em 1929 para Correias, nos arredores de Petrópolis, no mesmo ano em que se casa com Julieta Modesto Guimarães, Leleta. É na casa de Correias, projetada pelo arquiteto em 1928, que ele descobre fortuitamente a obra de Warchavchik por intermédio da revista "Para Todos". O projeto da Casa Modernista - também de 1928 - chama a atenção do arquiteto, que, não tendo se deixado entusiasmar pela visita de Le Corbusier ao Rio em 1929, via com desconfiança a arquitetura moderna.
Entre crises e reclusões voluntárias, Lucio Costa ainda realiza alguns projetos de caráter histórico-acadêmico com Fernando Valentim. Em 1930, concebe aquela que seria sua "última manifestação de sentido eclético-acadêmico", a casa Ernesto Gomes Fontes, projeto que apresentaria uma segunda solução, já alinhada com o movimento moderno. No entanto, esta solução não agrada ao cliente, que constrói a primeira proposta sem o desenvolvimento e acompanhamento do arquiteto.
1930 - 35
Lucio Costa volta à cidade do Rio de Janeiro em 1930 para trabalhar como assessor de obras do Itamaraty. No entanto, com a Revolução de 1930, deixa o cargo para assumir em dezembro, por indicação de Rodrigo Melo Franco de Andrade, a direção da ENBA.
De posse de plenos poderes para empreender uma ampla reforma na ENBA, o arquiteto surpreende a todos ao romper publicamente com o movimento neocolonial na primeira entrevista concedida ao diretor, intitulada "A situação do ensino das belas-artes". Então, afasta alguns dos antigos professores, substituindo-os por arquitetos e artistas aliados ao incipiente movimento moderno, como Warchavchik., Affonso Eduardo Reidy, Alexander Buddeus e Leo Putz.
A reação acadêmica foi rápida. Enquanto José Mariano Filho trava na imprensa uma verdadeira batalha com Lucio Costa, os professores afastados da ENBA se organizam e, em setembro de 1931, o arquiteto é exonerado do cargo, ainda que sob os protestos e a greve organizada pelos estudantes. Apesar do pouco tempo à frente da direção da Escola, a reforma empreendida por Lucio Costa marca profundamente os caminhos das artes e da arquitetura no Brasil. Prova disso é que vários alunos envolvidos na greve em seu apoio tornam-se grandes expoentes da arquitetura moderna do país, como Luís Nunes, Jorge Machado Moreira, Ernani Vasconcellos, Álvaro Vital Brazil, Oscar Niemeyer e Milton Roberto.
Ainda na direção da escola, Lucio Costa organiza a 38ª Exposição de Belas-Artes, em 1931, ou "Salão Revolucionário", com ampla participação de artistas e arquitetos modernos, como Guignard, Portinari, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, Cícero Dias, Flávio de Carvalho, Warchavchik, Reidy, e o próprio Lucio Costa, dando grande visibilidade e legitimidade ao movimento artístico iniciado com a Semana de Arte Moderna de 1922. Neste sentido abre caminho para o I Salão de Arquitetura Tropical, inaugurado em 1933 no Rio de Janeiro, e para a criação do Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal em 1935, que contaram com a participação predominante de artistas e arquitetos modernos.
Entre 1931 e 1933, Lucio Costa associa-se a Warchavchik, construindo seus primeiros projetos de orientação moderna, como o Conjunto Residencial para Operários da Gamboa e a casa Alfredo Schwartz, de 1932. Por intermédio do arquiteto russo e de Carlos Leão - seu sócio entre 1933 e 1935 - entra em contato com as idéias de Gropius, Mies Van der Rohe e Le Corbusier, convertendo-se definitivamente ao ideário e às proposições do movimento moderno, à luz das idéias do arquiteto franco-suiço. Nesse período concebe o projeto para o concurso da Vila Operária em Monlevade (1934) e escreve o texto "Razões da nova arquitetura", programa elaborado para um curso de pós graduação no Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal, fundada em 1935, e que consiste em um dos mais importantes manifestos da arquitetura moderna brasileira.
Os anos de "chômage" (1932-1935), ricos em estudos e reflexões sobre arquitetura, são marcados pela pouca quantidade de projetos e por dificuldades financeiras, em virtude da crise de 1929 e da queda no ritmo da construção civil, somada à recusa da clientela particular e mesmo pública em aceitar a nova orientação à qual o arquiteto se convertera. Não por acaso, são produzidos nesse período as "casas sem dono" e os "projetos esquecidos".
Em 1935, o arquiteto Archimedes Memória vence o concurso de projetos para a nova sede do Ministério da Educação e Saúde Pública, com um projeto em estilo marajoara. Insatisfeito com o resultado do concurso, o ministro Gustavo Capanema encomenda a Lucio Costa a realização de um outro projeto. O arquiteto então decide convidar para a elaboração deste novo projeto os arquitetos Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Jorge Machado Moreira, que haviam participado do concurso com projetos modernos, incluindo posteriormente Ernani Vasconcellos e Oscar Niemeyer.
1936 - 56
Em 1936, é finalizado o primeiro projeto para o Ministério da Educação e Saúde Pública, elaborado pelo grupo de arquitetos e coordenado por Lucio Costa. Os arquitetos no entanto, não estando completamente seguros quanto ao partido adotado, decidem submetê-lo à avaliação de Le Corbusier, cuja viagem ao Brasil tinha sido articulada pelo próprio Lucio Costa. Nas quatro semanas que passou no Rio de Janeiro, entre as célebres palestras que proferiu no Instituto Nacional de Música, Le Corbusier realiza esboços para o novo campus da Universidade do Brasil e para o MESP. Seus croquis, tanto para o terreno da praia de Santa Luzia quanto para a Esplanada do Castelo, serviriam de base para o projeto definitivo desenvolvido pela equipe brasileira.
O edifício do Ministério, cuja construção se prolongara até 1945, em conseqüência principalmente das dificuldades econômicas causadas pela Segunda Guerra Mundial, abre caminho, ao lado do Pavilhão Brasileiro para a Feira Mundial de Nova York (1939), projetado em parceria com Oscar Niemeyer, para o reconhecimento internacional e nacional da arquitetura moderna brasileira. Em 1943, essa arquitetura é afirmada na mostra mais importante do período, a exposição retrospectiva "Brazil Builds", realizada no Museu de Arte Moderna de Nova York.
Nesse período o arquiteto realiza os projetos para o Museu das Missões (1937), a residência Marinho de Azevedo Filho (1938), a residência Saavedra (1942), a residência Hungria Machado(1942), o Park Hotel São Clemente (1944), a residência Paes de Carvalho (1944), o plano de urbanização para o Parque Guinle (1948), os edifícios Nova Cintra (1948), Bristol (1950) e Caledônia (1954) e o Altar para o 36º Congresso Eucarístico Internacional (1955). São dessa época também o edifício Banco Aliança (1956) e a Sede do Jockey Club do Brasil (1956), um dos maiores projetos a que se dedicou o arquiteto.
Em 1937, é criado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), onde Lucio Costa passa a trabalhar como diretor da Divisão de Estudos e Tombamentos (DET) desde o ano de sua fundação até 1972, quando se aposenta. Devem-se ao arquiteto a definição de critérios e normas de classificação, análise e tombamento do patrimônio arquitetônico brasileiro, bem como a definição de normas e critérios para a intervenção em centros históricos. As relações entre a arquitetura do período colonial brasileiro e a arquitetura moderna, definidas pelo arquiteto e presentes em textos fundantes da historiografia da arquitetura brasileira, como "Documentação necessária" (1937), "Notas sobre o mobiliário luso-brasileiro" (1939) e "Arquitetura jesuítica no Brasil" (1941), guiaram em grande medida a atuação do SPHAN.
Entre 1948-1948 e 1952-1953, Lucio Costa realiza duas importantes viagens à Europa, a serviço do SPHAN. Essas viagens, além de servirem-lhe para aprofundar seu estudo a respeito da arquitetura portuguesa e de seus vínculos com a arquitetura produzida no Brasil durante o período colonial, também propiciaram importantes visitas à casa Savoye e à Unidade de Habitação de Marselha, ambos de Le Corbusier. Esta última iria influenciá-lo na criação dos edifícios do Parque Guinle. Nessas viagens, também projetaria a Casa do Brasil em Paris (1953), desenvolvida posteriormente por Le Corbusier.
São desse peródo uma série de artigos que podem ser entendidos como divulgadores dos preceitos da arquitetura moderna e de sua vertente brasileira, como, por exemplo, "Considerações sobre a arquitetura contemporânea", escrito nos anos 40, mas publicada somente em 1952, "Depoimento de um arquiteto carioca" (1951), "O arquiteto e a sociedade contemporânea" (1952), apresentado na Conferência da UNESCO em Veneza e "Desencontro" (1953), no qual rebate as críticas de Max Bill à arquitetura moderna brasileira.
O ano de 1954 marca profundamente Lucio Costa, com a morte de sua mulher, Leleta, em um acidente de automóvel.
1957 - 66
Em 1957, Lucio Costa vence o concurso para o Plano piloto de Brasília, com um memorial que, embora sintético e singelo em sua apresentação, deixava clara a ambiciosa concepção urbanística do arquiteto para a nova capital. Ponto máximo das metas estabelecidas por Juscelino Kubitschek, Brasília fora concebida, segundo o arquiteto, como o "coroamento de um grande esforço coletivo em vista ao desenvolvimento nacional" e à independência econômica, política e cultural do país.
O Plano Piloto de Brasília, ao lado dos projetos de edificação de Oscar Niemeyer para a nova capital, marca tanto o trabalho do arquiteto como a produção arquitetônica brasileira. É a partir de Brasília que se percebe a enorme visibilidade e importância que atingiu a profissão do arquiteto dentro do país. A partir desse momento, apesar de outros importantes projetos e contribuições, Lucio Costa passa a ser predominantemente identificado aos projetos que desenvolveu para a nova capital, como o Plano Piloto da cidade (1957), a Torre Radiotransmissora (1958), a Rodoviária (1958) e o Plano Piloto para a Universidade de Brasília, realizado parcialmente (1961).
Ao longo desse período, Lucio Costa continua suas atividades de pesquisa e projeto, realizando o programa de recuperação da Igreja do Outeiro da Glória, no Rio de Janeiro (1959), vinculado ao SPHAN, a poltrona OCA (1961), o texto "O novo humanismo científico e tecnológico", apresentado nas comemorações do centenário do MIT (1961), o apartamento de sua filha Maria Elisa Costa Sobral (1963) e o Pavilhão do Brasil na XIII Trienal de Milão (1964).
1967 - 98
A partir de Brasília, o arquiteto desenvolve uma série de propostas urbanísticas para diferentes escalas e locais, sobretudo entre os anos de 1967 e 1985. São desse período o Projeto de Expansão para Florença, apresentado no Congresso Internacional de Urbanistas (1967), a Proposta para a Região dos Alagados, em Salvador (1972), o Plano para a Nova Capital da Nigéria (1976), o Novo Pólo Urbano de São Luís do Maranhão (1980), o Estudo para Casablanca (1980/1981) e o Projeto de Adensamento e Expansão do Plano Piloto de Brasília (1985). A proposta urbanística que teve maior repercussão foi a do Plano de Urbanização da Barra da Tijuca (1969). Em diversas ocasiões, o arquiteto colocou-se em defesa de sua proposta, em artigos e entrevistas, como de costume, integrando o debate arquitetônico em torno das discussões cotidianas da cidade. Esse plano, no entanto, nunca foi implantado por completo, tendo sofrido uma série de modificações.
Se, nestes anos, as propostas urbanísticas predominam, seus demais projetos no período não têm importância menor, como atestam a Caixa D´água para a SUDEBAR (1970), o Monumento a Estácio de Sá (1973), a residência Thiago de Mello (1978), a residência de sua filha Helena Costa (1982), a residência Edgar Duvivier (1985) e o Espaço Cultural Thiago de Mello (1984).
O arquiteto recebe uma série de homenagens e títulos que confirmam sua importância não apenas no Brasil, como o Grau de Comendador pela Legião de Honra da França (1971), a Grande Medalha de Ouro da Academia de Arquitetura da França (1982), o prêmio do UIA por sua atuação na área de urbanismo e planejamento (1984), a nomeação como Patrono do XIII Congresso Brasileiro de Arquitetura (1991), a homenagem idealizada por Niemeyer aos seus noventa anos, com a inauguração do Espaço Lucio Costa em Brasília (1992) e, por fim, a inauguração do Paço Imperial da Exposição "A Presença de Lucio Costa", sob a curadoria de Maria Elisa Costa.
O edifício do Park Hotel São Clemente, o Conjunto Residencial do Parque Guinle e o Conjunto Urbanístico de Brasília são tombados oficialmente nos anos de 1985, 1986 e 1990 respectivamente. Em 1987, Brasília passa a fazer parte da Lista do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural da UNESCO.
Em 1995, é lançado Lucio Costa: registro de uma vivência, livro autobiográfico, com o qual o arquiteto permanecera envolvido desde os anos 80.
No dia 13 de junho de 1998, Lucio Costa falece no Rio de Janeiro, aos 96 anos.