1930
Argélia
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Português
Colaborador
Igor Queiroz; Leonardo Vieira
Gilberto Flores Cabral, 2006 – “O utopista e a autopista”
No contexto geral da vida e obra corbusianas, os viadutos habitáveis curvilíneos demarcam um momento de profunda transformação, que ocorreu desde o final da década de vinte até o início de trinta, uma verdadeira reviravolta em sua visão de mundo e uma renovação na sua pesquisa plástica e arquitetura. Também representam um período de maturidade plena de Le Corbusier, "momento mais feliz" da sua vida, em que ele estava cônscio de experimentar o auge da criatividade e produtividade. Em termos da produção urbanística de Le Corbusier, essa excepcional invenção se destaca dentre todas as suas propostas urbanas utópicas anteriores, como a Ville Contemporaine e a Ville Radieuse. Após a primeira inspiração carioca (1929), a proposta de viadutos-cidade foi desenvolvida no Plano Obus, proposto para Argel, e confirmada no próprio Rio de Janeiro, em 1936, e jamais retomada por Le Corbusier. O Rio é o fim e o princípio.
O Rio foi, definitivamente, o local mágico da inspiração do viaduto habitável e de toda a transformação que este representava na vida e obra corbusianas. Ali, sob a luz e a sensualidade real e imaginária da baía da Guanabara, o arquiteto via e criava, em processo sincrônico de observação e invenção. O lugar estava transbordando de poderosas fontes, das quais ele extraía suas propostas. Os morros, e as praias, e os embarcadouros "mais belos do mundo", e os "negros" da favela, que a tudo assistiam desde o alto, em seus "ninhos de pássaro planador", os navios majestáticos que olhavam "de volta", a plenitude dos corpos femininos, cujas curvas eram homólogas à caprichosa topografia, tudo excitava e exigia "resposta humana à altura".
O viaduto coleante proposto de 1929, como afirmou Manfredo Tafuri, é "a hipótese teórica mais elevada da urbanística moderna, ainda insuperada tanto em nível ideológico como formal". Os esboços sulamericanos (1929) e o Plan Obus de Argel (1931) além de avançarem, como nenhuma outra proposição, o ambicioso programa do urbanismo e da arquitetura modernistas, são os estudos mais espetaculares, radicais, mas também mais assustadores, em todo o imaginário urbano moderno.
Conforme Tafuri, os viadutos propõem uma solução definitiva para as grandes questões que Le Corbusier se colocava nos anos vinte. Em primeiro lugar, urgia fazer face a uma crise global e à incerteza que ele associava à superação da primeira era da máquina, caótica, pois a industrialização provocara a expansão desumana e destrutiva das forças produtivas. Para isso, era necessária a ordem do plano, único meio de superar a contradição entre o desenvolvimento humano e a natureza. O espaço é dado como regulador social e condição de emancipação humana, e portanto seria necessário buscar uma ordenação estética e funcional perfeita do ambiente visível, compatível com a suprema ordem produtiva da "nova era da máquina." [p. 55]
Fonte(s): CABRAL, Gilberto Flores. O utopista e a autopista: os viadutos sinuosos habitáveis de Le Corbusier e suas origens brasileiras (1929-1936). ARQTEXTO, Porto Alegre, n. 9, p. 54-75, jul./dez. 2006, grifos do autor. Disponível em: <www.ufrgs.br/propar>. Acesso em: 9 jun. 2017.
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