Planta geral do complexo Gallaratese. Blocos A1, A2, B e C foram projetados pelo Studio Ayde (Carlo Aymonino & Alessandro De Rossi), e o Bloco D foi projeto de Aldo Rossi.
O Complexo Gallaratese ilustrado em "The language of post-modern architecture" (1977), de Charles Jencks, na segunda edição espanhola (reprodução). Na legenda, lê-se: "ALDO ROSSI. Bairro Gallaratese. Milão, 1969-1971. Uma extenso pórtico de pilastras repetido é coroado por janelas constantes até o infinito. Os corredores internos também são áridos funis de vazio. Uma vez que as formas são ‘vazias', muitos críticos têm assumido que estão acima de qualquer associação histórica; mas os sinais são sempre convencionais e os significados estão bem estabelecidos na Itália."
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O projeto consiste de um complexo habitacional com cerca de 440 unidades, podendo atender a 2.400 moradores. Sua intenção inicial era que o projeto abrigasse, além das habitações, uma zona de comércio e serviços, com um conjunto de lojas e escritórios, porém poucos esforços foram criados para implantar estes usos, o que lhe restringe a ser quase exclusivamente residencial. Havia a previsão de destinação social das unidades habitacionais, mas a Prefeitura de Milão recuou nas negociações com a empresa proprietária e responsável pelo empreendimento, permanecendo vago até uma ocupação popular em março de 1974, que foi removida à força pela polícia. Apesar de algumas unidades terem sido vendidas a um custo mais baixo para inquilinos que estivessem morando de aluguel em habitação popular, o complexo acaba tendo um caráter mais privativo, sobretudo após a decisão por cercá-lo. Os blocos são caracterizados por vários tipos de apartamentos: um quarto, 26 metros quadrados, apartamento pequeno de 80 metros quadrados, apartamento médio de 100 metros quadrados e apartamento grande de 150 metros quadrados. Dentro de cada torre é possível encontrar diferentes tipologias: apartamentos duplex, com sótão, etc. A complementaridade dos blocos coordenados por Aymonino e o edifício singular de Rossi são uma grande marca do complexo, o que levou o historiador Manfredo Tafuri a referir-se a ele como "a complexidade de Aymonino e o silêncio de Rossi".
O complexo teve grande visibilidade junto à crítica especializada, foi publicado nas principais revistas italianas da época e teve destaque na XV Triennale de Milão, em 1973. O projeto foi apresentado em detalhes na edição n. 7 da revista italiana Lotus, ainda em 1970, acompanhado de textos críticos de Aymonino e Rossi. É um dos marcos da arquitetura neorracionalista italiana, pela sua expressão de um repertório claramente moderno que incorpora certas qualidades espaciais do universo clássico. Representa também um esforço simultâneo de investigação sobre a forma da cidade contemporânea num momento de crise da arquitetura moderna, associada a certa aspiração social.
ANDREOLA, Florencia. Complesso residenziale Monte Amiata, nel quartiere Gallaratese 2, Milano. 1967-74. In: BIRAGHI, Marco; FERLENGA, Alberto (Org.). Architettura del novecento - vol. III: opere, progetti, luoghi. L-Z. Turim: Einaudi, 2013. p. 471-476.
AYMONINO, Carlo. Progetto architettonico e formazione della città. Lotus, Milão, n. 7, p. 20-41, 1970.
MOLINARI, Luca. Matteotti Village and Gallaratese 2: design criticism of the Italian Welfare State. In: SWENARTON, Mark; AVERMAETE, Tom; VAN DEN HEUVEL, Dirk (Ed.). Architecture and the Welfare State. Londres; Nova York: Routledge, 2015. p. 259-275.
ROSSI, Aldo. Due progetti. Lotus, Milão, n. 7, p. 62-85, 1970.
Carlo Aymonino, 1970:
"Na organização geral ignorou-se deliberadamente o ‘lugar', uma vez que não há indicações naturais (um terreno plano sem características relevantes - nem árvores, nem cursos d'água) ou artificiais (a vizinhança é composta dos tradicionais blocos de 8 pavimentos ou torres de 12, dispostos em um desenho bastante casual); procurou-se, protanto, acentuar o ‘destaque' do complexo, recorrendo a uma forma geral que fosse a mais compacta e construída possível e que, no limite, poderia resultar quase em um único edifício ou, melhor dizendo, numa única construção.
Consequentemente, as referências formais foram muito determinantes desde o início, segundo duas linhas de desenvolvimento: a primeira recuperando pesquisas anteriores (o concurso para o Teatro Paganini, em Parma), com a ‘complicação' do uso pretendido e os volumes nos pontos de sobreposição de elementos funcionais (o salão do teatro no caso de Parma, as lojas e alguns equipamentos comunitários propostos no caso de Gallaratese); e a segunda usando, como estrutura de base, elementos geométricos facilmente legíveis (os dois triângulos) para depois negá-los parcialmente ou enriquecê-los nos pontos de ‘contraste' planimétrico e altimétrico (partes mais altas ou mais baixas da construção.)"
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"Nell'impostazione si è deliberatamente ignorato il « luogo », in quanto privo di suggerimenti naturali (un terreno piano senza caratteristiche rilevanti - né alberi, né corsi d'acqua) e artificiali (le scale limitrofe sono dei tradizionali parallelepipedi di 8 piani o delle torri di 12, disposti secondo un disegno notevolmente casuale); si è cercato pertanto di accentuare il « distacco » ricorrendo ad una forma generale il più possibile compatta e costruita, che al limite potesse risultare quasi un unico edificio, meglio un'unica costruzione.
l riferimenti formali sono stati conseguentemente molto determinanti sin dall'inizio, secondo due linee di sviluppo: la prima riprendendo ricerche precedenti (il concorso del Teatro Paganini in Parma) sulla « complicazione » delle destinazioni d'uso e dei volumi nei punti di sovrapposizione degli elementi funzionali (la sala del teatro nel caso di Parma, i negozi e le poche attrezzature collettive proponibili nel caso del Gallaratese); la seconda utilizzando come impianto di base elementi geometrici facilmente leggibili (i due triangoli) per negarli in parte o arricchirli nei punti di « contrasto » planimetrico e altimetrico (parti più alte o più basse della costruzione)."
AYMONINO, Carlo. Progetto architettonico e formazione della città. Lotus, Milão, n. 7, p. 20-41, 1970, tradução nossa.
"O projeto para o bairro Gallaratese foi concluído este ano; trata-se de uma ala autônoma dentro do complexo que penetra, ou termina, na unidade residencial de Carlo Aymonino. Eu não falo de inserção porque este termo na arquitetura é demasiado ambíguo; a colaboração foi limitada às questões gerais que uniram os dois projetos. Minha profunda admiração pela arquitetura de Aymonino me libertou de todos os problemas de adequação; olhando para o plano geral, acredito que o resultado é positivo. A tipologia destes dois projectos - San Rocco e Milão - é diversa. Um complexo de quadras no primeiro projeto e um extenso bloco a ballatoio no segundo. As duas tipologias - ou formas tipológicas - representam duas referências fundamentais dos tipos construtivos da habitação. Tomar essas formas tipológicas assim rigidamente significa reconhecer a preeminência tipológica no discurso da habitação, onde a redução formal dos tipos é bastante rigorosa. Acredito que este pode ser considerado o primeiro passo da projetação; uma proposta de um sistema de projetação." [p. 62]
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"Il progetto per il quartiere Gallaratese è stato terminato quest'anno; si tratta di un corpo di fabbrica autonomo che penetra, o termina, nell'unità residenziale di Carlo Aymonino. Non parlo di inserimento perché questo termine in architettura è troppo equivoco; la collaborazione si è limitata alle questioni principali che univano i due progetti. La mia profonda ammirazione per l'architettura di Aymonino mi ha reso libero da ogni problema di adeguamento; credo, guardando la planimetria generale, che il risultato sia positivo. La tipologia di questi due progetti, San Rocco e Milano, è diversa. Un complesso di corti nel primo progetto e un corpo lungo a ballatoio nel secondo. Le due tipologie - o forme tipologiche - rappresentano due riferimenti fondamentali tra i tipi edilizi dell'abitazione. L'aver assunto queste forme tipologiche rigidamente significa il riconoscere la preminenza tipologica nel discorso dell'abitazione dove la riduzione formale dei tipi è ormai del tutto rigorosa. Credo che si possa considerare questo il primo avvio alla progettazione; una proposizione per un sistema di progettazione."
ROSSI, Aldo. Due progetti. Lotus, Milão, n. 7, p. 62-85, 1970, tradução nossa.
"[...] No bairro Gallaratese em Milão, ao expressionismo moderado de Carlo Aymonino, que articula seus blocos residenciais convergindo para o centro do teatro ao ar livre em um jogo complexo de ruas artificiais e articulações [...], Rossi cria uma oposição com a precisão sagrada de seu bloco geométrico que paira acima da ideologia e de todas as propostas utópicas de um ‘novo estilo de vida'.
O complexo projetado por Aymonino deseja ressaltar cada uma das soluções, cada junta, cada artifício formal. Aymonino, ao que parece, quer falar a linguagem da sobreposição e da complexidade, na qual objetos singulares que são unidos violentamente insistem em expor seu papel individual dentro da ‘máquina'. No entanto, e de modo bastante significativo, quando Aymonino atribui a Rossi o projeto de um dos blocos dentro deste bairro [...], deve ter sentido a necessidade de se confrontar com uma proposta radicalmente oposta à sua. E é aqui que encontramos, frente ao aglomerado de sinais de Aymonino, o signo absoluto de Rossi." [p. 45-46]
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"[...] In the Gallaretese [sic] neighborhood in Milan, to the moderated expressionism of Carlo Aymonino, who articulates his residential blocks as they converge into the fulcrum of the open-air theater in a complex play of artificial streets and nodes [...], Rossi creates an opposition in the sacred precision of his geometric block which is held above ideology and above all utopian proposals for a ‘new lifestyle.'
The complex as designed by Aymonino wishes to underscore every resolution, every joint, every formal artifice. Aymonino apparently wants to speak the language of superimposition and complexity, within which single objects violently strung together insist upon displaying their individual role within the entire ‘machine.' Yet, and quite significantly, Aymonino, by assigning to Rossi the design for one of the blocks within this neighborhood [...], must have felt the need to confront himself with a proposal radically opposed to his own. And it is here that we find, facing the aggregation of Aymonino's signs, the absolute sign of Rossi."
TAFURI, Manfredo. L'architecture dans le boudoir: the language of criticism and the criticism of language. Oppositions, Nova York, n. 3, p. 37-62, mai. 1974, tradução nossa.
"O movimento por moradia em Milão está tomando grandes dimensões, está crescendo com o envolvimento cada vez mais maciço de famílias de trabalhadores que de hora em hora, às dezenas, juntam-se àqueles que há algumas semanas tinham tomado posse dos blocos de apartamentos GESCAL em Baggio. Ontem à noite, das casas ocupadas de Baggi[o], partiu um grupo de famílias e seus agregados para o gueto operário nas proximidades do Gallaratese e ocuparam uma enorme construção de propriedade da empresa imobiliária Monte Amiata (por trás da qual se encontram as mãos do Vaticano e da Montedison)." [p. 1]
"Já nesta manhã, após a primeira noite de ocupação, o edifício está assumindo uma nova roupagem: bandeiras vermelhas nas janelas, com enormes escritos revestindo a fachada ‘Queremos um aluguel operário, 10 por cento do salário', ‘Luta dura, casa segura'." [p. 1]
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"Il movimento per la casa a Milano sta acquistando dimensioni generali, sta crescendo con il coinvolgimento sempre più massiccio di famiglie operaie che di ora in ora, a decine, si aggiungono a quelle che da alcune settimane già hanno preso possesso dei palazzoni GESCAL di Baggio. Ieri sera, dalle case occupate di Baggi, una colonna di famiglie con masserizie è andata nel vicino ghetto operaio del Gallaratese ed ha occupato una immensa costruzione di proprietà della società immobiliare Monte Amiata (dietro cui si nascondono le mani del Vaticano e della Montedison)."
"Già da questa mattina, dopo la prima notte di occupazione, il palazzo sta assumendo una nuova veste: bandiere rosse alle finestre, scritte enormi rivestono la facciata « Vogliamo un affitto proletario, 10 per cento del salario », « Lotta dura casa sicura ». [...]"
MILANO. Tremila proletari si prendano la casa. Lotta Continua - Giornale Quotidiano, Roma, ano III, n. 74, p. 1;4, 29 mar. 1974, tradução nossa. Disponível em: <fondazionerrideluca.com>. Acesso em: 5 jul. 2016.
"Em meu projeto para o conjunto residencial de Gallaratese, em Milão, existe uma relação analógica com certas obras de engenharia que se misturam livremente tanto com a tipologia do corredor como com uma impressão que me deixou a arquitetura tradicional dos prédios milaneses, onde o corredor significa um estilo de vida impregnado de fatos cotidianos, de intimidade doméstica e de relações pessoais diversificadas. Mas um outro aspecto desse projeto me foi revelado por Fabio Reinhart durante uma viagem que sempre fazíamos através do Passo de São Bernardino, no caminho de Zurique que passa pelo vale Ticino. Reinhart notou o elemento repetitivo presente no sistema de túneis de lados abertos, ou seja, a existência de um padrão inerente. Em outra ocasião, eu mesmo me lembrei de que me havia dado conta dessa estrutura particular - e não somente das formas - da galeria, ou passagem coberta, sem necessariamente ter tido a intenção de dar-lhe expressão numa obra de arquitetura.
De igual maneira, organizei um álbum de meus projetos que se compunha unicamente de coisas já vistas em outros lugares: galerias, silos, casas velhas, fábricas, casas de fazenda na região campestre da Lombardia ou perto de Berlim, e muitas mais, algo entre a memória e o inventário.
Não creio que esses projetos me afastem da postura racionalista que sempre defendi; talvez hoje eu esteja vendo determinados problemas de modo mais abrangente. Em todo caso, estou cada vez mais convencido do que escrevi muitos anos atrás na ‘Introdução a Boullée': para estudar o irracional é preciso assumir de certa forma uma atitude racional como observador. Do contrário, a observação - e eventualmente a participação - dão lugar à desordem." [p. 381]
ROSSI, Aldo. Uma arquitetura analógica. In: NESBITT, Kate (Org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica 1965-1995. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2008. p. 379-384, grifo do autor.
"Aldo Rossi e os racionalistas italianos tentam com boa vontade continuar com os modelos clássicos das cidades italianas, projetando edifícios neutros que tenham um ‘grau zero' de associação histórica; no entanto, invariavelmente, sua obra remonta à arquitetura fascista dos anos trinta - apesar de muita negação. As insinuações semânticas são mais uma vez desiguais e levam a significados muito opressivos, uma vez que a construção é simplista e monótona. Críticos e apologistas sérios destes arquitetos, como Manfredo Tafuri, acabam evitando o óbvio em sua necessidade de justificar esses edifícios com interpretações elaboradas e esotéricas." [p. 20]
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"Aldo Rossi and the Italian Rationalists try very sympathetically to continue the classical patterns of Italian cities, designing neutral buildings which have a ‘zero degree' of historical association ; but their work invariably recalls the Fascist architecture of the thirties - despite countless disclaimers. The semantic overtones are again erratic, and focus on such oppressive meanings, because the building is oversimplified and monotonous. Serious critics and apologists for them, such as Manfredo Tafuri, find themselves evading the obvious in their attempt to justify such buildings with elaborate, esoteric interpretation."
JENCKS, Charles. The language of post-modern architecture. Nova York: Rizzoli, 1977, tradução nossa.
"[...] Ciente da tendência da racionalidade interessada em absorver e deturpar qualquer gesto cultural significativo, Rossi estruturou sua obra a partir de elementos arquitetônicos históricos que podiam evocar e inclusive transcender os paradigmas racionais (quando não arbitrários) do Iluminismo: a forma pura postulada na segunda metade do século XVIII por Piranesi, Ledoux, Boullée e Lequeu. O aspecto mais enigmático, para não dizermos hermético, desse pensamento, reside em sua preocupação implícita com o Panopticon (cf. Surveiller et punir [Vigiar e punir] de Michel Foucault, 1975), sob cuja rubrica ele certamente incluiria - de acordo com os Contrastes de Pugin, de 1843 - a escola, o hospital e a prisão. Rossi parece ter retornado obsessivamente a essas instituições normatizadoras, quase punitivas, que para ele, ao lado do monumento e do cemitério, constituem o único programa capaz de encarnar os valores da arquitetura per se. Segundo a tese apresentada pela primeira vez por Loos em seu ensaio Architektur, de 1910, Rossi admitiu que, em sua maioria, os programas modernos são veículos inadequados para a arquitetura, e, para ele, isto vinha significando recorrer à chamada arquitetura analógica, cujos referenciais e elementos devem ser abstraídos do vernáculo no sentido mais amplo possível. Com esse objetivo, seu bloco de apartamentos Gallaratese, projetado como parte do conjunto habitacional que Carlo Aymonino construiu nos arredores de Milão em 1973, foi uma oportunidade de evocar a arquitetura da tradicional casa de cômodos milanesa. Da mesma maneira, sua Câmara Municipal para Trieste, projetada em forma de uma penitenciária em 1973, era tanto uma homenagem à tradição da construção local no século XIX quanto um comentário sarcástico sobre a natureza básica da burocracia moderna. [...]" [p. 357-358]
FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2003, grifos do autor.
"Parece-me agora que estes projectos e construções se formam nas fases e nas idades da vida; a casa dos mortos e a da infância, o teatro ou a casa da representação. Mas todos estes não são temas ou, pior ainda, funções, mas sim as formas por que se manifesta a vida e, portanto, a morte.
Poderei ainda falar de outros projectos a que apenas acenei, a projectos como o San Rocco e a unidade residencial no Bairro Gallaratese em Milão. O primeiro é de 1966, o segundo de 1969-1970.
Do primeiro apenas referi a instalação da retícula romana e o sucessivo desalinhamento desta, como uma fissura num espelho resultante de um acidente.
Do segundo referi a simplicidade, no sentido de um rigor de engenharia; e a sua dimensão.
Mas ao falar da vida do homem deverei aclarar, ainda melhor, os aspectos que da vida de participação cívica, desde a adolescência, me impressionaram - com um olhar arqueológico e antropológico.
Referi-me aos pátios de Sevilha, aos cortili de Milão, ao próprio pátio do Hotel Sirena. E ainda às varandas, às galerias, aos corredores como impressão literária e autêntica de conventos, escolas, casernas.
Em suma, estas formas da habitação - juntamente com a da villa - depositaram-se na história do homem ao ponto de pertencerem tanto à arquitectura como à antropologia; é difícil pensar noutras formas, noutras representações geométricas, precisamente porque delas não temos a solução." [p. 110-111]
ROSSI, Aldo. Autobiografia científica. Lisboa: Edições 70, 2013, grifos do autor.
"O fascismo assombra a colunata do projecto Gallaratese, mas é apenas um dos fantasmas. Todos os arquitectos clássicos, de Le Corbusier a Ledoux e a lctinos, escondem-se por entre os pilares. Toda a Itália está ali em grandeza pública, em pobreza privada e em indomável postura retórica. Um americano não pode deixar de adivinhar a presença de Louis Kahn. O seu majestoso desenho da sala hipóstila em Karnak - onde as colunas não são estruturalmente musculadas nem esculturalmente afirmativas mas estão simplesmente ali, na sua enormidade, modelando a luz, ocupando o espaço - parece quase a prototipização daquelas colossais colunas de Rossi. Estas são tão grandes por relação com a sua modesta carga que parece não existir compressão estrutural sobre elas, permanecendo seres puramente visuais, aparições que avançam passo a passo por entre os pilares-lâminas. Em qualquer caso, a colunata do Gallaratese é o derradeiro espaço do sonho. Julgada por critérios funcionalistas do criticismo moderno pode ser vista como fora de escala e gratuita, mas deve ser vista literalmente, de facto, a outra luz, que é a das ‘funções imprevisíveis' de Rossi. E aí, ainda que relegada para os confins da consciência, as suas formas marcham através dos corredores do sono, povoando os sonhos. Faremos justiça a Freud se notarmos que, também aqui, poderá mesmo existir um elemento sexual, uma vez que a forma longa e tensa da estrutura de Rossi é claramente lida como um corpo que se perfila em direcção ao edifício castanho, exuberante, e em forma de L, de Aymonino. Qualquer que seja a razão, e são seguramente muitas, algo de profundo se toca, nalguma necessidade da alma por espaço e grandeza, glória, amor e relação, algum desejo generoso não verbalizado mas aqui representado pictoricamente." [p. 134-135]
SCULLY, Vincent. Pós-escrito: ideologia na forma. In: ROSSI, Aldo. Autobiografia científica. Lisboa: Edições 70, 2013. p. 129-138.
"risco Quais são os projetos que admira de Rossi ou quais são os projetos que expressam de forma mais evidente o seu pensamento?
DV Bom, trata-se de preferências pessoais na realidade. Posso dizer quais são os projetos de Rossi que amo mais ou sobre os quais mais fundei minha formação e que mais me influenciaram no plano pessoal. Entretanto, eu acredito também os primeiros projetos, isto é, aqueles que têm ainda um fundamento purista. Um projeto belíssimo é aquele do Monumento à Resistência de Cuneo, mesmo que seja um projeto que o mundo de Rossi superará. Parece-me um projeto, sendo um grande cubo escavado de maneira muito densa e com grande capacidade figurativa, um projeto ainda muito belo e muito denso. E depois para referir-me ainda ao Rossi em certo sentido racionalista ou purista, eu acredito que poderia falar da Stecca do Gallaratese, a unidade de habitação do Gallaratese, cuja força está também na contraposição à arquitetura de Aymonino, mas que está dentro de uma linha da arquitetura milanesa: aquela linha que recolhe a tradição da casa pobre, da casa popular, combina-a com a pesquisa racionalista sobre a casa lógica, da casa construída com exatidão, e produz obras de grande eficácia e de grande força figurativa. Eu creio que a casa de Rossi venha da casa de Pollini no bairro Harar, da casa de Giancarlo de Carlo em Sesto San Giovanni, da casa de Lingeri no QT 8, isto é, tem uma série de precedentes racionalistas atrás de si, dos quais parte e coloca de novo em relação com a casa popular, da qual aqueles projetos racionalistas haviam se afastado às vezes por excesso de purismo. Mas depois eu acredito que um dos mais belos projetos de Rossi permaneça sendo aquele do Cemitério de Modena. [...]" [p. 217]
VITALE, Daniele; LANCHA, Joubert José; BUZZAR, Miguel Antônio. Aldo Rossi, cidade e projeto. [Entrevista com Daniele Vitale]. risco, São Carlos, v. 5, p. 210-219, 2007. Disponível em: <www.revistas.usp.br>. Acesso em: 18 abr. 2016.
"A obra de Aldo Rossi apresenta marco contemporâneo nos estudos teóricos de tipo que resultaram em projetos relacionados com a cidade, como o Conjunto Habitacional Gallatarese, construído de 1969 a 1973, em Milão. Para Rossi, o momento criativo é individual e se dá através de um modo peculiar de interpretação e de educação. Pensa a arquitetura no contexto e nos limites de uma grande diversidade de associações, correspondências e analogias (...) pensa em objetos familiares cuja forma e posição já são fixas, mas cujos significados podem ser modificados, como objetos arquetípicos cujo apelo emocional desvenda preocupações eternas. Esses objetos situam-se entre o inventário e a memória.
Para o Conjunto Habitacional Gallaratese [...], parte de um complexo habitacional projetado por Carlo Aymonimo, Rossi propõe uma organização espacial apoiada no conceito de ‘galeria', restituindo o tradicional habitat rural da Lombardia [...]. Utiliza o mecanismo tipológico para análise e desenvolvimento [...], referenciando-se no modelo de rua interior contemporâneo de Le Corbusier."
PERDIGÃO, Ana Kláudia de Almeida Viana. Considerações sobre o tipo e seu uso em projetos de arquitetura. Arquitextos, São Paulo, ano 10, n. 114.05, nov. 2009, grifo da autora. Disponível em: <www.vitruvius.com.br>. Acesso em: 18 abr. 2016.
"Se [Giancarlo] De Carlo foi responsável por desenvolver a ideia de uma participação mais ampla no processo de projeto na Itália, buscando uma arquitetura como o resultado de um diálogo democrático com a classe trabalhadora, o complexo habitacional Gallaratese 2 em Milão, projetado por Carlo Aymonino e Aldo Rossi no mesmo período, representou uma abordagem de design oposta, em busca da autonomia da arquitetura enquanto um monumento contemporâneo plástico e ideológico, que poderia ‘salvar' áreas periféricas da Itália." [p. 269]
"Assim como o Villaggio Matteotti em Terni, Gallaratese 2 não se cumpriu como um modelo alternativo social e urbano. Uma vez concluído, em 1972, a empresa Monte Amiata tentou vendê-lo para a Prefeitura de Milão; depois, em 1974, decidiu vender as unidades a um preço reduzido para permitir que trabalhadores de baixa renda pudessem se tornar proprietários. No mesmo ano, grupos de estudantes e operários ocuparam os edifícios até serem removidos à força pela polícia. A maioria dos usos comerciais e públicos previstos para algumas das unidades não se realizou e, depois de alguns anos, os proprietários decidiram cercar o complexo habitacional, contrariando a ideia do Gallaratese 2 como um fragmento ativo de uma cidade nova e emergente." [p. 271-274]
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"If [Giancarlo] De Carlo was responsible for developing the idea of broader participation in the design process in Italy, looking to generate architecture as the outcome of a democratic dialogue with the working class, the Gallaratese 2 housing complex in Milan designed by Carlo Aymonino and Aldo Rossi in the same period represented an opposing design approach, looking for the autonomy of architecture as a plastic, ideological, contemporary monument which could ‘save' Italy's peripheral areas." [p. 269]
"As with the Matteotti Village in Terni, Gallaratese 2 failed as a social and urban alternative model. Once completed in 1972, Monte Amiata tried to sell it off to the municipality of Milan, and then in 1974 decided to sell the dwellings at a reduced price to enable lower income earners to become home owners. In the same year, groups of students and workers occupied the buildings until they were forcibly removed by the police. Most of the commercial and public uses envisaged for some of the units failed, and after a few years, home owners decided to gate the housing complex, thwarting the idea of Gallaratese 2 as an active fragment of a new, emerging city."
MOLINARI, Luca. Matteotti Village and Gallaratese 2: design criticism of the Italian Welfare State. In: SWENARTON, Mark; AVERMAETE, Tom; DEN HEUVEL, Dirk (Ed.). Architecture and the Welfare State. Londres; Nova York: Routledge, 2015. p. 259-275, tradução nossa.