1995
Estados Unidos
PublicaçãoIdiomas disponíveis
Português
Marcadores
Cidades Novas
Colaborador
Carla Pereira Rocha/ Ícaro Vilaça
Citado por: 1
Publicado em 1995, “S, M, L, XL” não foi construído como um texto contínuo como “Delirious New York” (1978). É na verdade uma reunião de artigos ordenados segundo as letras “S” (small), “M” (medium), “L” (large) e “XL” (extra-large). Koolhaas e Bruce Mau estruturaram o livro classificando os diferentes textos em função da escala dos objetos apresentados, até chegarem ao último capítulo no tema central de Koolhaas: a escala do “extra large”. Faz parte deste capítulo o texto “Generic City”, onde Koolhaas descreve, analisa e critica as cidades contemporâneas questionando sua semelhança com os aeroportos contemporâneos, todos iguais. Ele parte para a teoria de uma cidade “genérica”, sem qualidade nem identidade particular, e recapitula suas idéias, já expostas em outros textos, sobre o urbanismo na era da globalização. “Generic City” foi publicado posteriormente na Revista Domus (1997) e traduzido para o espanhol em 2007.
Rem Koolhaas, 1995:
"Seria a cidade contemporânea como os aeroportos – todas iguais? Esta convergência só é possível com a ausência da identidade – o que é visto usualmente como urna perda. No entanto, na escala em que ocorre, este processo deve significar alguma coisa. Quais são as desvantagens da identidade e as vantagens da ausência? E se este processo de homogeneização, aparentemente acidental fosse intencional, um movimento consciente de saída das diferenças em direção às semelhanças? E se estivéssemos testemunhando um movimento de liberação global: ‘fora coma personalidade’! O que resta depois que a identidade é despida? O genérico?
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A identidade centraliza, insiste em uma essência, em um ponto. Sua tragédia e uma simples questão geométrica. Enquanto a esfera de influência se expande, a área central cresce mais e mais, desesperançosamente diluindo tanto a força quanto a autoridade do âmago; inevitavelmente a distância entre centro e circunferência cresce até um ponto de ruptura. Nesta perspectiva, a recente, tardia descoberta da periferia como zona de valor potencial – um tipo de condição pré-histórica que talvez finalmente seja digna de uma ‘atenção arquitetônica’ – é somente uma insistência disfarçada na prioridade e dependência do centro: sem centro, sem periferia; o interesse no primeiro presumivelmente compensa o vazio do ultimo. Conceitualmente órfã, a, condição de periferia piora pelo fato de sua mãe ainda estar viva, roubando o show, enfatizando as inadequações de seu rebento. As últimas vibrações emanadas do exausto centro antecipam a leitura da periferia como uma massa critica. Não somente o centro é, por definição, muito pequeno para executar suas obrigações, como ele próprio deixou de ser o centro real para tomar-se uma miragem esfumaçada, a caminho de sua implosão; sua presença ilusória nega legitimidade ao resto da cidade.
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A Cidade Genérica é liberada do cativeiro do centro, da camisa-de-força da identidade. A Cidade Genérica quebra com esse ciclo destrutivo de dependência: ela não é nada além de um reflexo da necessidade e capacidade presentes. É igualmente estimulante e desestimulante em qualquer lugar. É ‘superficial’ – como um estúdio hollywoodiano, pode produzir uma nova identidade a cada manhã de segunda-feira.
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A Cidade Genérica é o que resta após grandes seções de vida urbana intercruzando-se até o ciberespaço. É um lugar de sensações fracas e distendidas, poucas e distantes emoções, discreta e misteriosa como um grande espaço iluminado por um pequeno abajur.Comparada à cidade clássica, a Cidade Genérica esta sedada, ao ser percebida de uma posição sedentária. Ao invés de concentração – presença simultânea – na Cidade Genérica, os “momentos” individuais são distantemente espaçados para criar um transe de experiências estéticas quase imperceptíveis; a variação cromática na iluminação fluorescente de um edifício de escritórios minutos antes do pôr-do-sol, as sutilezas das pequenas diferenciações nos brancos de um painel luminoso à noite. Como comida japonesa, as sensações podem ser reconstituídas e intensificadas na mente, ou não – podem simplesmente ser ignoradas (existe uma chance). Esta impregnante falta de urgência e insistência atua como uma droga potente e induz à alucinação do normal.
Em uma drástica inversão do que supostamente é a maior característica da cidade – “bigness” – a sensação dominante da Cidade Genérica é de uma misteriosa calma: quanto mais calma está, mais se aproxima do estado puro. A Cidade Genérica chama a atenção das “desgraças” que foram atribuídas à cidade tradicional antes que nosso amor por ela tome-se incondicional. A serenidade da Cidade Genérica é alcançada pela evacuação do domínio público, como em um treinamento de emergência contra incêndios.
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A rua está morta. Esta descoberta coincidiu com tentativas frenéticas para que ela seja ressuscitada. A arte pública está em toda a parte - como se duas mortes fizessem uma vida. A ‘pedestrianização’ – com a intenção de preservar - meramente canaliza os fluxos daqueles fadados a destruir os objetos de suas desejadas reverências com seus próprios pés.
A Cidade Genérica está no caminho da horizontalidade para a verticalidade. O arranha-céu parece ser a tipologia final, definitiva. Engoliu todo o resto. Pode existir em qualquer lugar, em um campo de arroz ou no centro da cidade – já não faz nenhuma diferença. As torres, agora, não estão mais juntas, estão tão espaçadas que não interagem. Densidade no isolamento é o ideal.
Moradia não é um problema. Ou ela foi completamente resolvida ou totalmente deixada ao acaso: o primeiro caso é o legal, o segundo o ilegal. No primeiro caso, torres ou, usualmente, lajes (15 cm de profundidade, no máximo); no segundo (em uma complementaridade perfeita) uma crosta de cabanas improvisadas. Uma solução consome o céu, a outra o chão. É estranho que aqueles com menos dinheiro habitam a mais cara comodidade: a terra. Aqueles que pagam, habitam o que é gratuito: o ar. Em ambos os casos a moradia prova ser surpreendentemente cômoda: não apenas a população dobra de tantos em tantos anos, como também, como resultado do afrouxamento das várias religiões, o número médio de ocupantes por unidade habitacional cai pela metade – através de divórcios e outros fenômenos de divisões familiares – com a mesma freqüência que a população da cidade duplica: enquanto seus números incham, a densidade da Cidade Genérica está perpetuamente decrescendo.
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As ruas são apenas para os carros. Para as pessoas (pedestres) deixam-se os passeios (como em um parque de diversões), as ‘promenades’ que as levantam do chão, para depois subjugá-las a um catálogo de condições exageradas – vento, calor, locais íngremes, frio, interior, exterior, cheiros, fumaças – em uma seqüência que é uma caricatura grotesca da vida na cidade histórica.
Existe horizontalidade na Cidade Genérica, mas ela está de saída. Esta horizontalidade consiste tanto de uma história que ainda não está bem apagada, quanto de enclaves ‘tudorianos’ que se multiplicam ao redor do mundo como emblemas recém-cunhados de preservação.
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A Cidade Genérica apresenta a morte final do planejamento. Por quê? Não que ela não seja planejada, de fato, grandes universos complementares de burocratas e desenvolvimentistas afunilam inimagináveis fluxos de energia e dinheiro em sua conclusão: pelo mesmo dinheiro suas planícies podem ser fertilizadas com diamantes, seus lamaçais pavimentados com tijolos de ouro. No entanto, sua mais perigosa e mais divertida descoberta é que o planejamento não faz a menor diferença. Edifícios podem ser bem localizados (uma torre próxima a uma estação de metrô) ou mal localizados (centros inteiros a milhas de distância de uma estrada).
Eles florescem/ perecem imprevisivelmente. Redes de trabalho se esgarçam, envelhecem, apodrecem, tornam-se obsoletas: populações dobram, triplicam, quadruplicam, desaparecem. A superfície da cidade explode, a economia acelera, desacelera, rompe, colapsa. Como antigas mães que ainda alimentam embriões titânicos, cidades inteiras são construídas sobre infra-estruturas coloniais, das quais seus opressores levaram o projeto para casa. Ninguém sabe aonde, como, desde quando passam os esgotos, qual a localização exata das linhas telefônicas, qual a razão da posição do centro, aonde os eixos monumentais terminam. Tudo isso prova que existem infinitas margens escondidas, reservas colossais de escória, um perpétuo, orgânico processo de ajuste de padrões, de comportamento; expectativas que mudam com a inteligência biológica do animal mais alerta. Nesta apoteose de múltiplas escolhas, nunca será possível reconstruir o binômio causa e efeito outra vez. Eles funcionam – e isto é tudo."
Henri-Pierre Jeudy, 2005:
"A cidade genérica, tal como é descrita por Rem Koolhaas, seria então a cidade que se auto-reproduz sem 'sentimentalismo', sem a menor preocupação com uma singularidade que lhe seria própria, a cidade que nasce e renasce em função das necessidades e contingências, a cidade que engendra de maneira objetiva, pragmática, sua própria morfologia. Seria também a cidade que cria seu próprio passado, sua própria história ao longo do tempo, sem se preocupar com os vestígios que simbolizariam seu futuro, produzindo demolições sem a menor nostalgia. A cidade autometamórfica. Não há então necessidade de se ter qualquer preocupação estética, uma vez que as cidades genéricas, por sua própria similaridade, impõem sua própria configuração como uma estética sem critérios, sem referências, totalmente liberada da busca de singularidade. A periferia urbana se torna um modelo único, território informe com todos os artefatos possíveis, inclusive os que terão por função lembrar o que podia ser o centro da cidade de antigamente."
Josep Maria Montaner, 2007:
"Em quase três décadas de atividade, Rem Koolhaas publicou uma vasta coleção de textos e revistas, a começar por uma extensa antologia de textos e de projetos organizada por Bruce Mau sob o título S,M,L,XL O.M.A. (1995), uma defesa do método híbrido empregado por Koolhaas e sua equipe – um método pós-moderno, pela multiplicidade de referências utilizadas, e abstrato, pela busca de novos mecanismos projetuais e de novas formas. Koolhaas demonstra como a arquitetura é uma questão formal e tipológica – deixando evidentes as claras influências de Colin Rowe e Oswald Matias Ungers, seus professores na Universidade de Cornell –, e é exclusivamente um problema de escala: projetos pequenos (casas unifamiliares), projetos médios (pavilhões e museus), projetos grandes (edifícios públicos) e projetos extragrandes, em escala urbana e metropolitana, resolvem-se sempre mediante os mesmos mecanismos da poli-funcionalidade, da dinamicidade e da abstração formal. Trata-se de artefatos arquitetônicos que, por suas mudanças de escala, pretendem-se alheios ao contexto. Koolhaas fundamenta seus projetos na aceitação das condições dadas pelo programa, posicionando-se contra toda concepção estática e sagrada de lugar. O lugar é interpretado como um encontro de fluxos e de acontecimentos, como um espaço de transformações e de metamorfoses geradas por todos os tipos de energia: eletricidade, informação, tráfego, eventos. O caos, tal como propunha Nietzsche, converte-se em fonte de criação e beleza. Para Koolhaas, a teoria é sempre uma colagem de fragmentos e serve para legitimar a própria obra. Em Rem Koolhaas, há uma paixão viva, uma fascinação perversa, a incorporação indiscriminada de todas as vantagens e de todos os inconvenientes das megalópoles; tudo isso o conduz a um olhar ao mesmo tempo lúcido, cínico e crítico, sedutor e, obviamente neoliberal. De qualquer modo, há certa diferença entre suas teorias – em que justifica a cidade genérica, comenta os espaços sem qualidade de supermercados e aeroportos, e considera emblemáticos de nosso tempo a escada rolante e o ar condicionado – e suas obras, em geral muito funcionais e, ao mesmo tempo, simbólicas, com bons espaços, bem construídos e, inclusive, inteligentemente adaptados ao lugar, tomado em um sentido amplo e flexível.
Nessa situação em que as conceituações dos próprios protagonistas da evolução da arquitetura predominam, com todo o seu poder de sedução, a aceitação de que “está tudo bem” e a atitude eclética, propagadora e legitimadora de toda posição e produção arquitetônica caracterizam boa parte da crítica atual."