1978
Estados Unidos
PublicaçãoIdiomas disponíveis
Português
Marcadores
Planejamento Urbano
Colaborador
Leandro Cruz
Citado por: 1
Desde meados da década de 1960, Rowe já trabalhava com os estudantes da Cornell University, no âmbito do Urban Design Studio, no conjunto de estudos que deram origem ao livro. O material foi finalizado entre 1973 e 1978, período em que, antecedendo a sua publicação final, começou a circular como um manuscrito (em 1973) e em seguida foi publicado na forma de artigo na edição n. 158 da Architectural Review (agosto de 1975). O interesse dos autores pela configuração urbana de Roma, embora já estivesse evidente nas suas primeiras versões, ganhou mais relevo após a participação de Rowe e sua equipe no concurso e na exposição Roma Interrotta, realizados entre 1977-78, que consistia na elaboração de novas propostas para a cidade de Roma a partir do Plano de Giambattista Nolli (1748), conhecido por sua representação dos cheios e vazios na forma urbana - ora destacando, ora desconhecendo as fronteiras entre os espaços públicos e privados.
Logo na "Introdução" do livro são enunciadas algumas de suas ideias-chave. Os autores começam elaborando uma espécie de obituário da cidade moderna, em seguida criticam o distanciamento entre a promessa redentora da arquitetura moderna e seu alcance limitado, apresentam as possibilidades para a arquitetura nos termos de um duplo oposto - o despotismo da ciência e a tirania da maioria - para então lançar a proposta de conciliação entre as virtudes de uma projetada cidade moderna e as contingências da cidade real.
Na sequência, o livro se estrutura em seis capítulos. Os dois primeiros ("Utopia: Declínio e Queda?" e "Depois do Milênio") desenvolvem uma crítica às utopias e às propostas de desenho urbano do pós-guerra. O terceiro capítulo ("A Crise do Objeto: O Impasse da Textura") aponta o problema da "fixação no objeto" da arquitetura moderna e suas consequências, para então apresentar a técnica do diagrama de figura-fundo como uma nova possibilidade de análise e projeto para a cidade contemporânea, em que se valoriza a espacialidade tradicional da cidade pré-moderna e as relações de coexistência do novo com o contexto preexistente.
As duas seções seguintes ("Cidade-Colisão e a Política da Bricolagem" e "Cidade-Colagem e a Reconquista do Tempo") apóiam-se principalmente no discurso antiutópico de Karl Popper, apresentando as vantagens de se trabalhar aceitando as situações de colisão e superposição - adotando como modelo a Villa Adriana - ao invés de esquemas totalizantes e coercitivos. Propõe-se que a tarefa de negociação das contradições inerentes ao processo aconteça sem hierarquias fixas, semelhante à bricolagem (fazendo referência a Claude Lévi-Strauss), que é apropriada pelos autores como uma metáfora da política. Como consequência, almeja-se a chamada reconquista do tempo, que passaria a ser apropriado livre de imperativos lineares, permitindo os mais diversos rearranjos dentro de uma concepção inclusiva. No último capítulo ("Excursus") os autores fazem uma rápida digressão, apresentando alguns elementos urbanos como possíveis objets trouvés a serem testados nas propostas de cidades-colagem.
Como consequência de sua ampla aceitação e difusão, o livro foi lançado em outras línguas nos anos que se seguiram à sua publicação original; entre elas, uma edição espanhola de 1981, Ciudad Collage. Em edições brasileiras, no entanto, conta-se apenas com a tradução do artigo publicado na revista Architectural Review (1975), lançado em 2006 como parte da coletânea "Uma Nova Agenda para a Arquitetura" - organizada originalmente por Kate Nesbitt em 1996.
Colin Rowe e Fred Koetter, 1978:
"A cidade da arquitetura moderna (que também pode ser chamada de cidade moderna) ainda não foi construída. Apesar de toda a boa vontade e boas intenções de seus protagonistas, acabou como um projeto ou como um aborto e, cada vez mais, já não parece haver qualquer razão convincente para supor que as coisas acontecerão de outra forma. A constelação de atitudes e emoções que são reunidos sob a noção geral de arquitetura moderna - e que extravasa, de uma forma ou de outra, no campo inseparavelmente associado do planejamento - começam a parecer, ao cabo, por demais contraditórias, confusas e pouco sofisticadas para permitirem, a qualquer uma delas, resultados minimamente produtivos.
[...] E agora, mesmo que o peso da ideia persista, é uma cidade que se reduziu a muito pouco - às banalidades empobrecidas da habitação social, que estão por aí como os símbolos desnutridos de um mundo novo que se recusou a nascer.
[...] a arquitetura moderna, pretendendo ser científica, mostrou um idealismo completamente ingênuo. Que esta situação, então, seja corrigida, e a partir de agora vamos cada vez mais levar em conta a tecnologia, a pesquisa behaviorista e o computador. Ou, como alternativa, a arquitetura moderna, pretendendo ser humana, demonstrou um rigor científico totalmente inaceitável e estéril. Portanto, a partir de agora, vamos desistir de vaidade intelectualista e vamos nos contentar em replicar as coisas como elas são, vamos observar um mundo estagnado pela arrogância de pretensos filósofos, mas como a massa da humanidade prefere que ele seja - útil, real e densamente familiar.
[...] por um lado, a ville radieuse poderia ser vista como uma falsa promessa assustadora, mas, por outro, ainda era possível que certo otimismo afirmativo sobrevivesse - e isso interpretando a cidade corbusiana como não mais do que um plataforma de lançamento para a elaboração e o aperfeiçoamento da cidade do futuro, inspirada tecnocrática e cientificamente. Assim, por um lado, um manifesto olhar retrospectivo e, por outro, um olhar ostensivo para adiante - e daí o culto da paisagem urbana e o culto da ficção científica. [...]
Agora, evidentemente, as várias combinações desajustadas de ficção científica e paisagem urbana - todas se afirmando libertárias e não-repressivas - devem significar um investimento considerável de capital emocional, mas, antes de propor um: ‘Isso vale a pena?', faz-se necessário por ora reconhecer os representantes mais recentes (ou os derivados lógicos supremos?) dos dois modelos. Nesse ponto, a utopia do Superstudio e a ‘utopia americana simbólica' que Robert Venturi alegou ter descoberto na Disney World podem convenientemente exibir os extremos a que as duas críticas da ville radieuse (pelo menos até o momento?) se reduziram.
Notoriamente, as exigências de liberdade (a não-imposição de autoridade) dão suporte às posições mais contraditórias e, aparentemente, é isso que encontramos aqui. A utopia do Superstudio - o mundo como uma malha cartesiana abstrata - exige uma emancipação final da tirania dos objetos e a alegada utopia de Disney World - uma situação essencialmente naturalista - sugere que os objetos, ao invés de serem um problema, são um alívio; mas, se um propõe a substituição do objeto, enquanto o outro resulta em sua desvalorização fatal, eles são, é claro, semelhantes por insistirem nas possibilidades de uma aparente gratificação imediata. [...]
Para resumir: propõe-se aqui que, ao invés de esperar e esperar pelo desaparecimento do objeto (enquanto ao mesmo tempo se fabricam versões dele em profusão inigualável), pode ser mais sensato, na maioria dos casos, permitir e incitar o objeto a ser assimilado em uma textura ou matriz predominante. [...] Sendo um debate no qual a vitória consiste em cada componente saindo invicto, a condição imaginada é um tipo de dialética de cheio-vazio que deve permitir a existência em comum do declaradamente planejado e do genuinamente não-planejado, do que é previsto e do acidente, do público e do privado, do Estado e do indivíduo. Imagina-se uma condição de equilíbrio ativo; e é no sentido de iluminar o potencial de tal controvérsia que introduzimos um rascunho de possíveis estratégias. Flexão, assimilação, distorção, provocação, resposta, imposição, superposição, conciliação - elas podem ter vários nomes e, certamente, não podem nem devem ser muito especificadas. Mas se o foco da presente discussão ficou na morfologia da cidade, sobre o físico e o inanimado, não quer dizer que ‘as pessoas' nem ‘a política' são tidos como excluídos. [...]
Para o objetivo em questão, o constructo mais óbvio para se colocar ao lado de Versailles é a Villa Adriana, em Tivoli. Pois, se uma é uma clara exposição da arquitetura e design totais, a outra tenta dissimular qualquer referência a uma ideia de controle; e como aqui há poder absoluto nas duas personificações, alguém pode se sentir constrangido em divagar e questionar qual é o modelo mais útil para nós. [...]
Se o planejamento não pode ser mais científico do que a sociedade política da qual é uma instância, neste caso nem na política nem no planejamento é possível adquirir informação suficiente antes que a ação se torne necessária. Em nenhum dos casos a ação pode esperar a definição do problema num futuro idealizado para ser, aí então, resolvido; e se isso é por conta da possibilidade mesma desse futuro, onde tal formulação pudesse ser feita, depender de uma ação imperfeita no presente, então isso sugere mais uma vez o papel da bricolagem, com a qual a política tanto se assemelha e o planejamento urbano certamente deveria se parecer [...]
Uma cidade aberta e - até certo ponto - crítica; receptiva - pelo menos em teoria - aos estímulos mais díspares; que de forma alguma isenta de julgamento a cidade como museu e, ao mesmo tempo, não mostra qualquer insinuação de crença iminente no valor de qualquer princípio amplamente validado. O reverso do restritivo, implicando no acolhimento ao invés da exclusão da cópia, pelos padrões de sua época ela se rodeia com o mínimo de barreiras alfandegárias, ou embargos, e de restrições sobre o comércio; consequentemente, a ideia da cidade como museu, exitosa apesar das muitas objeções válidas, não pode, hoje, ser tão facilmente descartável como se imagina num primeiro momento. Pois, se a cidade da arquitetura moderna, embora sempre tenha se declarado aberta, mostrou uma lamentável falta de tolerância para qualquer importação externa (campo aberto e mente estreita), se a sua postura básica tem sido protecionista e restritiva (controles rígidos para estimular mais do mesmo), e se isso resultou em uma crise da economia interna (aumento da pobreza de significado e queda da invenção), então os pressupostos da inquestionável política anterior já não podem fornecer qualquer conjuntura aceitável para a exclusão. [...]
Frequentemente a utopia - seja ela platônica ou marxista - foi concebida como axis mundi ou como axis istoriae. Porém, se deste modo ela operou como mais uma agregação de ideias totêmica, tradicionalista e acrítica, se sua existência tem sido poeticamente necessária e politicamente deplorável, então isso apenas reforça a ideia de que uma técnica de colagem, acomodando um conjunto de axis mundi (todas elas utopias de bolso - o cantão suíço, a vila na Nova Inglaterra, o Domo da Rocha [em Jerusalém], a Place Vendôme, o Campidoglio etc.), podem ser um meio de nos permitir o prazer dos projetos utópicos, sem sermos obrigados a passar pelo constrangimento da política da utopia. O que significa dizer que, como a colagem é um método cuja virtude é decorrente de sua ironia, por parecer ser uma técnica de usar coisas e, ao mesmo tempo, não acreditar nelas, também é uma estratégia que pode permitir lidar com a utopia como imagem, lidar com ela em fragmentos, sem termos que aceitá-lo in toto, o que nos sugere que a colagem poderia ainda ser um estratégia em que, mesmo apoiando a ilusão utópica de imutabilidade e finalidade, pode alimentar uma realidade da mudança, movimento, ação e história.
[...] A utopia como metáfora e a Cidade-Colagem como prescrição: esses opostos, envolvendo tanto as garantias do direito como da liberdade, certamente deveriam constituir a dialética do futuro, mais do que alguma redenção completa às ‘certezas' científicas ou aos simples caprichos do ad hoc. A desintegração da arquitetura moderna parece exigir tal estratégia, um pluralismo esclarecido parece se convidar, e é possível que até mesmo o senso comum aconteça."
Kenneth Frampton, 1980:
"O reconhecimento loosiano da perda da identidade cultural que a urbanização trouxe consigo foi retomado com grande intensidade em meados da década de 1960, quando os arquitetos começaram a perceber que os códigos redutivos da arquitetura contemporânea tinham levado ao empobrecimento do ambiente urbano. Contudo, o modo exato como se deu esse empobrecimento - até que ponto ele se deve às tendências abstratas presentes na própria racionalidade cartesiana, ou, alternativamente, à inexorável exploração econômica - é uma questão crítica e complexa que ainda precisa ser ponderadamente resolvida. Não se pode negar que o redutivismo ‘tábula rasa' do Movimento Moderno desempenhou um papel relevante na destruição geral da cultura urbana; assim, a ênfase que a crítica ‘pós-moderna' tem feito incidir sobre o contexto urbano existente dificilmente pode ser desacreditada. Essa crítica ‘contextualista' antiutópica já era atuante nos anos 1960, primeiro em Colin Rowe e sua abordagem neo-sittesca da forma urbana (conforme era ensinada na Universidade de Cornell e foi apresentada em seu livro Collage City [Cidade Colagem], de 1979 [sic]) e depois em Complexity and Contradiction in Architecture [Complexidade e Contradição em Arquitetura] (1966), de Robert Venturi [...]"
Igansi de Solà-Morales Rubió, 1985:
"O otimismo liberal de Colin Rowe permite-lhe confiar ainda na eficácia da colagem, pois para ele um desmembramento fragmentário não entra em conflito com determinado tipo de estratégia mais abrangente que autoriza uma certa dose de controle sobre a cidade e sua arquitetura. Mas o que se passa com Colin Rowe e a colagem é o mesmo que aconteceu com a aterrorizada Pandora, mulher de Epimeteu, quando ela deixou escapar de sua caixa dourada todos os males que afligiam a humanidade, e somente lhe restou o recipiente com o qual ela ainda contava para manter a esperança.
Mas a esperança da colagem, como técnica, se baseia unicamente numa composição gestaltista com a qual nossos implacáveis artistas do frottage e do dripping se saíram muito bem. A realidade atual é, de certa forma, muito mais reducionista porque é mais crítica. Só que, pelo mesmo motivo, ela é bem mais precisa na hora de agir, tal a sua agudeza de percepção acerca do que o edifício nos transmite e do que a história da arquitetura nos ensina.
Mais recentemente, o conhecimento sobre as estruturas mais íntimas dos edifícios nos conduziu ao desenvolvimento de técnicas e ferramentas tão sofisticadas quanto precisas."
Charles Jencks, 1985:
"A arquitetura pós-moderna e a tardomoderna surgiram nos anos sessenta como reação à arquitetura moderna e a algumas de suas falhas mais notórias. O que incluía, entre outras coisas, uma deficiência de promover um desenvolvimento urbano convincente e em se comunicar de forma eficiente. Por conta disso, a arquitetura pós-moderna desenvolveu uma morfologia de base urbana conhecida como contextualismo, bem como uma linguagem de arquitetura mais rica, baseada na metáfora, na imagística histórica e na imaginação. Para o contextualismo as ideias-chave foram produzidas por Aldo Rossi, em sua Architettura della Città [Arquitetura da Cidade] (1966), Robert Krier, Urban Space (1975, em alemão, e 1979, em inglês), Colin Rowe, Collage City [Cidade-colagem] (1978), e Leon Krier et al., Rational Architecture: The Reconstruction of the European City (1978). Revistas na França e na Itália publicaram números sobre La Tendenza, enquanto O. M. Ungers e Leon Krier forneceram uma teoria nova e uma imagística urbana convincente. De forma geral, essa teoria retomou a noção de contraste urbanos e de oposição entre monumento e pano de fundo; retomou a ideia de universais urbanos (a rua, a praça, o circo) e da colagem histórica. Os esquemas urbanos deveriam completar a configuração da cidade, e não rompê-la em termos morfológicos, mesmo que houvesse contrastes formais."
Kate Nesbitt, 1996:
"Pode-se dizer que tanto o contextualismo como o populismo desenvolveram-se nos meios universitários, já que nasceram do trabalho coletivo de professores e alunos interessados no estudo da cidade e na elaboração de propostas para novas estratégias de desenho urbano. Ora analisando as piazzae romanas, ora a Strip de Las Vegas, os estudantes de arquitetura de Yale e Cornell contribuíram para a formulação de teorias de grande influência, que foram posteriormente publicadas pelos professores. De fato, Schumacher, um dos alunos de Rowe, publicou um artigo sobre o método de ‘colagem' no desenho urbano antes do seu professor." [...]
"Politicamente, a teoria de Rowe e Koetter é influenciada pelos escritos pró-democráticos do filósofo austríaco do século XX Karl Popper, que defendem a necessidade de evitar modelos coercitivos e totalizantes. Essa concepção antitotalitária liga os autores a pensadores pós-modernos como Jürgen Habermas, Jacques Derrida e Jean-François Lyotard.
O pensamento de Rowe e Koetter de que construir inevitavelmente envolve juízos de valor e revela ‘o conteúdo ético da boa sociedade' é reiterado por Philip Bess e Karsten Harries [...]. Se ‘Cidade-colagem' e o livro de Venturi Complexidade e contradição [...] contêm argumentos inclusivos (ordem/desordem, ‘acomodação e coexistência', ‘tanto/como' etc), é preciso distinguir o enfoque pluralista de Rowe e Koetter da abordagem de Venturi. A forma e a intenção das oposições (resumidas na expressão ‘acomodação e coexistência') são similares nas duas obras, Rowe, Koetter e Venturi foram igualmente influenciados pela concepção de ambivalência da teoria da Gestalt, que permite uma multiplicidade de leituras.
Mas as diferenças afloram com mais nitidez no livro posterior de Venturi, Aprendendo com Las Vegas, escrito em parceria com Denise Scott Brown e Steven Izenour [...]. A posição populista destes últimos evita deliberadamente as implicações políticas de sua pesquisa, na medida em que recusa todo juízo de valor sobre o corredor comercial de Las Vegas. Já Rowe e Koetter, mais comprometidos com as questões éticas, vêem com entusiasmo a hipótese de uma sociedade pluralista e de um urbanismo que admite a mudança."
Nan Ellin, 1996:
"Colin Rowe se tornou a força motriz do pensamento contextualista nos Estados Unidos após sua chegada à Cornell University, em 1962, vindo da Grã-Bretanha. Em Collage City (1978), Rowe criticou a componente utópica do modernismo, que tinha levado muitos a proporem a erradicação das cidades antigas, e incitou os arquitetos a não ignorarem a importância da rua e dos eixos e o papel da massa construída como um definidor do espaço urbano. Rowe enfatizou que o projeto da cidade é mais parecido com uma colagem do que com um desenho e encorajou os designers a usarem todos os elementos disponíveis, incluindo o tecido urbano existente. Ele aplicou a metáfora da colagem para sugerir que os diversos elementos da cidade devessem ser entrelaçados em um todo coeso - uma ‘cidade de colagem' - contendo pólos opostos: utopia e anti-utopia, passado e futuro. [...]
Stuart Cohen, um aluno de Rowe, foi o primeiro a realmente usar o termo contextualismo - primeiro numa tese de mestrado sob a orientação de Rowe e, em seguida, em um artigo publicado na [revista] Oppositions (1974). Às considerações quase exclusivamente estéticas e físicas de Rowe, Cohen acrescentou uma dimensão cultural e propôs soluções contextuais como ‘estratégias de trabalho para arquitetos que deveriam... se enfrentar com uma posição significativamente reavaliada em nossa sociedade', um 'papel novo e vulnerável' [...]. Ao contrário de Rowe, as estratégias de Cohen ‘enfatizam a relatividade do juízo de valor ao invés de sua suspensão' [...].
Tom Schumacher, outro aluno de Rowe, explicou que os contextualistas não vêem a arquitetura ‘como possuindo uma vida própria, sem considerar os usos, cultura e condições econômicas' [...], mas como uma arte mimética com o objetivo de se comunicar. Para assegurar o cumprimento dessa meta, ele disse, 'um 'excesso' de comunicação é um componente necessário tanto para os edifícios como para as cidades' [...]. De acordo com Schumacher, então, os contextualistas concordam com Venturi que os edifícios devem ser ‘tanto/como': ‘compreensivo e assertivo, figura e fundo, introvertido e extrovertido, idealizado e deformado' [...].
O contextualismo, portanto, se desenvolveu a ponto de abranger os contextos mais amplos da história e da cultura, reconhecendo tanto os aspetos funcionais como os simbólicos da forma construída. Ao enfatizar a vitalidade das tradições, os contextualistas não queriam apenas imitar o passado, mas incorporar novos elementos. Eles entendiam a história, assim como o desenho urbano, como compromissos entre as aspirações utópicas e as restrições reais; e sua ideia da ‘utopia de bolso' consistia na luta por um ideal, mesmo que formas ideais só existissem no papel e em fragmentos da forma construída. Esses fragmentos, eles sustentavam, poderiam ser ‘colados' ou ajustados em um contexto, e a incompatibilidade com o ideal poderia, no fim das contas, enriquecer o trabalho. [...]
Em suma, o contextualismo reagiu à singularidade do ‘objeto arquitetônico' do movimento moderno, à crença de que os edifícios devem ser peças isoladas ‘puras', criadas por um arquiteto, e de que são independentes, não têm fachadas preferenciais e não se relacionam com seu contexto. Mudanças de tom semelhantes aconteceram, ao mesmo tempo, nas ciências sociais e nas humanidades, particularmente com a ascensão da antropologia simbólica em reação ao funcionalismo, [...] com a renovada popularidade da escola francesa dos Annales, de história, e com a retomada geral da história social e cultural."
Josep Maria Montaner, 1997:
"Dentro de uma vontade ao mesmo tempo classificatória, interpretativa e crítica, as contribuições de Colin Rowe, Steven Kent Peterson e Carlos Eduardo Comas se destacam no terreno da arquitetura. Se a essência da arquitetura radica em suas qualidades espaciais, a análise arquitetônica deve tender a desvelar as estruturas ocultas que configuram e articulam cada edifício. Colin Rowe, inspirando-se em Vincent Scully, estabeleceu a diferença chave entre edifícios mégaro - espaços com altura definida pelas paredes, como a Casa Citrohan de Le Corbusier -, e edifícios sanduíche - conformados espacialmente pelos planos horizontais, como a maior parte dos pavilhões de Mies van der Rohe -. Steven Kent Peterson delimitou o conceito vanguardista de ‘antiespaço', frente ao conceito de espaço fechado tradicional. A análise exemplar que Comas realizou do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro baseia-se em critérios de percepção do espaço que emprega itinerários, disposições de massas e vazios, simetria e lateralidade, visão frontal ou ponto de vista múltiplo com aproximações em diagonal, volumes sólidos e porosidade, protótipo ou monumento, modernidade e sobrevivência dos conceitos e espaços acadêmicos."
Kenneth Michael Hays, 1998:
"A crítica da arquitetura moderna de Rowe, muito mais acessível do que a de Tafuri, e exatamente contrária à política de Tafuri, poderia facilmente se pretender como a mais influente do período aqui documentado. E mais, as ‘terapias' que surgiram de sua etiologia do modernismo foram desenvolvidas por gerações de arquitetos e estudantes, bem antes e após a publicação da Collage City. [...]
O conceito de colagem de Rowe - conjugando uma crítica do utopismo moderno [...] a uma proposta de uma heterogeneidade radical da forma apropriada [...] - parece resumir muito do pós-modernismo arquitetônico, o que se deve em parte, de fato, à influência desse conceito. A teoria de cidade-colagem de Rowe é especificada pela incorporação da distinção entre o bricoleur e o cientista de Claude Lévi-Strauss, do antiutopismo e falibilismo de Karl Popper, e da lei como um modelo para a arquitetura, ainda que esta literatura estivesse em circulação bem antes da primeira publicação resumida do texto de 1973 de Rowe e Koetter, ‘Collage City', na Architectural Review n. 158 (agosto de 1975).
Rowe interpreta cada uma dessas referências como componentes de uma técnica de composição aparentemente neutralizada, do ponto de vista ideológico, que pode equilibrar armação e exposição, estrutura e evento, o ideal e o empírico, para alcançar, em suma, tanto a autonomia como a heterogeneidade da forma arquitetônica - forma entendida como o sinal e o suporte mais importantes da própria cultura. A noção de cidade como museu, junto com Victory Boogie-Woogie [1942-44] de Mondrian, figuram como alegorias adequadas para o liberalismo político e relativismo cultural de Rowe, bem como para a sua estética de colagem. [...]
Para estabelecer o seu sistema de malha autônoma e fragmentos heterogêneos, Rowe deve se desfazer de toda história que não seja a história arquitetural, deve evitar qualquer material externo à própria linguagem arquitetônica. Num esforço de evitar qualquer tipo de determinismo histórico, a arquitetura de colagem se torna trans-histórica, mesmo que seja historicamente motivada, desmoronando suas categorias em um conjunto de variações repetitivas sobre os temas da armação e exposição. A separação inicial de Rowe entre physique-matéria e morale-palavra da arquitetura [desenvolvida na introdução do catálogo da exposição Five Architects, em 1972] atinge, aqui, o seu pleno desenvolvimento, na medida em que se revela a ideologia do seu humanismo liberal-legal não ideológico.
O que não é para negar a força sutil do formalismo liberal de Rowe, mas apenas para identificá-lo como tal. Pois se trata de um formalismo nascido de certa arquitetura que não deu resultados com relação ao desejo de relevância social. [...]"
Laís Bronstein Passaro, 2002:
"O pensamento de Rowe, ainda que posteriormente banalizado na prática de outros arquitetos pela versão mais simplificada do collage, é fruto de um refinado discurso em que a composição arquitetônica é resultante de um variado jogo de tensões que partem não apenas de questões formais. Seu argumento crítico centra-se na inadequação da arquitetura em responder aos critérios considerados como sustentadores do projeto arquitetônico moderno do século XX, mais precisamente na incapacidade destas mesmas propostas em gerarem um contexto urbano satisfatório e coerente com a época em questão. A requalificação da res publica converte-se assim no eixo de sua teorização. Suas inquietudes se originam a partir dos estragos causados pela Arquitetura Moderna, e as consequências urbanas de sua prática unitária e homogeneizadora, onde o domínio público é praticamente abolido em vista da exaltação do domínio privado. Em linguagem ‘roweriana' corresponderiam à object fixation [fixação no objeto] - estimação obsessiva do sólido construída - e stradaphobia - subestimação obsessiva de qualquer vazio linear e construído. [...]
Embora ataque fortemente o culto a qualquer utopia, Rowe admite ser esta uma condição necessária, inclusive para o pensamento acerca das cidades. Para tal, baseia seu argumento nas teorias de Karl Popper nas quais qualquer visão planificada e hermeticamente fechada torna-se bastante perigosa, pois não admite a diversidade e tampouco o caráter fragmentário e cambiante de qualquer processo histórico, e da própria evolução do conhecimento científico. Assim como a evolução do conhecimento científico se daria a partir do falseamento de novas descobertas, ou seja, o constante choque entre o novo e o previamente existente de modo a atestar sua aplicabilidade e eficácia, também o pensamento urbano deveria seguir esta lógica. Aplicando tais idéias sobre as cidades, Rowe se apóia em fragmentos de utopia, os quais traduziriam a acumulação de certezas históricas, de elementos dispersos ao longo da história. Sua proposta apela para o caráter fragmentário e contraditório que a cidade contemporânea deveria refletir, no qual o resgate de estruturas historicamente consolidadas poderiam ser conjugadas com certas virtudes almejadas pela cidade moderna."
Josep Maria Montaner, 2007:
"O esquema figura-fundo, apresentado por Rowe em suas interpretações e em seus projetos urbanos (nos quais os edifícios adotam formas complexas e articuladas, tomadas do Hofburg de Viena, da Risdenz de Munique ou do projeto de Asplund para a remodelação da Chancelaria Real de Estocolmo), supõe o estabelecimento de duas grandes concepções de cidade: a tradicional, baseada no fundo, na mistura de funções numa massa em meio à qual se abrem ruas-corredores, largos e praças, com uma estrutura legível que funciona horizontalmente e cria um volume coerente e articulado; e a cidade moderna (a cidade parque de Le Corbusier), baseada na autonomia da figura constituída por formas abstratas, com uma radical separação de funções e um funcionamento vertical que cria morfologias de objetos emergentes e desarticulados. [...]
Nos últimos capítulos de Collage City, Colin Rowe expõe, com muita astúcia e antecipação, duas analogias da cidade que lhe servem de sustentação para sua proposta de uma cidade de colisão, formada pela colagem de fragmentos do passado e de utopias. Trata-se dos jardins e dos museus, em que interpreta o jardim como uma crítica à cidade obsoleta e a cidade futura como um museu.
Toda a teoria de Colin Rowe fundamenta-se em dualidades de conceitos bipolares e antinômicos: transparência literal e fenomenológica, espaço-mégaron e espaço-sanduíche, fundo e figura, acrópolis e fórum, ouriço e raposa, bricoleur e engenheiro. Nela tem continuidade a tradição que se estende da teoria da arte na Europa Central até o estruturalismo. E na medida em que sua teoria surge a partir da consciência da crise e das insuficiências do projeto da arquitetura moderna, e se sustenta sobre a crítica empirista de Karl Popper contra todo determinismo, dogmatismo, utopia e interpretação milenarista, Rowe propõe um método dialético e de superação de antinomias. Diante dos dois extremos - perigosos, segundo ele -, o despotismo da ciência, isto é, dos políticos, dos técnicos e dos cientistas, e a tirania da maioria, isto é, do homem comum e do gosto popular, Rowe coloca uma necessária conciliação. De fato, o próprio Rowe parte da intenção de conciliar dois mundos aparentemente antagônicos, aqueles que tomou como referência: de um lado, os valores humanos, arquitetônicos e urbanos da cidade tradicional como massa construída em cujo interior se modelaram ruas e praças, e de outro a nova visualidade da arte moderna, o neoplasticismo de Mondrian, o cubismo de Picasso ou o suprematismo de Malevich."