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A proposta inicial compreendia um conjunto de dezoito peças gráficas, incluindo desenhos, aquarelas e colagens (atualmente incorporadas ao acervo do MoMA) acompanhadas por um texto/ficção que se configura como uma narrativa. Exodus pode ser lido como uma utopia urbana - ainda que impregnada de distopia - sobre o centro de Londres. Trata-se, ainda, de uma proposta herdeira de outros exemplos de megaestruturas, especialmente aquelas vinculadas aos grupos Archigram e Superstudio, cujos integrantes estavam em contato próximo com os autores do projeto. Além disso, foi de fundamental importância as impressões de Koolhaas sobre o Muro de Berlim, a partir de uma viagem de estudos empreendida por ele no ano anterior à realização da proposta.
Além da edição n. 378 da Casabella (jun. 1973), o projeto foi também publicado em pelo menos outros quatro momentos, passando por alterações e acréscimos: em 1977, numa edição da revista Architectural Design dedicada ao trabalho do OMA; em 1995, no livro "S, M, L, XL", embora estivesse acompanhado apenas de seis colagens das dezoito peças gráficas iniciais; em 2001, no livro que acompanhou a exposição "Perfect Acts of Architecture", coordenada pelo crítico Jeffrey Kipnis; e em 2005, na coletânea organizada por Otakar Mácel e Martin van Schaik, "Exit Utopia: Architectural Provocations 1956-1976".
ARCHITECTURAL DESIGN. Londres: Acroshaw Ltd., v. 47, n. 5, 1977, 64 p.
DE CAUTER, Lieven; HEYNEN, Hilde. The Exodus Machine. In: MÁCEL, Otakar; VAN SCHAIK, Martin (Ed). Exit Utopia: architectural provocations, 1956-1976. Berlim: Prestel, 2005. p. 263-276.
GARGIANI, Roberto. Rem Koolhaas | OMA: the construction of merveilles. Lausanne; Abingdon: EPFL Press; Routledge, 2008.
KOOLHAAS, Rem; ZENGHELIS, Elia. Exodus, o i prigionieri volontari dell'architettura / Exodus, or the voluntary prisoners of architecture. Casabella, Milão, n. 378, p. 42-45, jun. 1973.
Rem Koolhaas e Elia Zenghelis [com a colaboração de Madelon Vriesendorp e Zoe Zenghelis], 1973:
"Certa vez, uma cidade foi dividida em duas partes.
Evidentemente, uma parte se tornou a metade ‘boa' e a outra parte a metade ‘ruim'. Os moradores da metade ‘ruim' começaram a se deslocar para a parte ‘boa' da cidade dividida, crescendo rapidamente até isso virar um Êxodo urbano.
Depois que todos os esforços para interromper essa migração indesejável deram errado, as autoridades da parte ‘ruim' fizeram o uso desesperado e selvagem da arquitetura: eles construíram um muro ao redor da parte ‘boa' da cidade, tornando-a completamente inacessível aos seus súditos.
O muro era uma obra-prima.
A princípio não mais do que umas poucas e patéticas fileiras de arame farpado, entrou rapidamente como a linha imaginária da fronteira - seus efeitos psicológicos e simbólicos eram infinitamente mais poderosos do que sua aparência física.
Aqueles que ficaram presos, abandonados na sombria metade ‘ruim', tornaram-se obcecados com planos vãos de fuga.
E como tantas outras vezes antes na história da humanidade, a Arquitetura foi o instrumento que gerou esse desespero.
Esta seria uma força assim intensa e devastadora, mas empregada com propósitos positivos."
"As Hortas
Nesta parte da faixa, cada morador tem um pequeno pedaço de terra para cultivo próprio; eles precisarão disso para se recuperar, na sua intimidade, das demandas que o intenso coletivismo e o estilo de vida comunal exercem sobre eles.
As casas nesses lotes são construídas com os materiais mais belos e caros - mármore, cromo, aço (pequenos palácios para o povo).
Os jornais são proibidos, os aparelhos de rádio misteriosamente não funcionam, todo o conceito de ‘noticiário' é ridicularizado pela devoção paciente com a qual as parcelas são lavradas, limpas, polidas e embelezadas."
KOOLHAAS, Rem; ZENGHELIS, Elia. Exodus, o i prigionieri volontari dell'architettura / Exodus, or the voluntary prisoners of architecture. Casabella, Milão, n. 378, p. 42-45, jun. 1973. Trad. livre: Leandro Cruz.
"O projeto 'Exodus, ou Os Prisioneiros Voluntários da Arquitetura', [...] foi produzido em 1972, quando uma arquitetura 'agradável' - de preferência invisível - estava no seu apogeu. Inspirado numa documentação/interpretação do texto 'Berlin Wall as architecture' (1971 - não publicado), propõe a criação de uma faixa [strip] que vai de leste a oeste passando pelo centro de Londres, ‘protegida' da cidade existente por dois muros ao longo de seu perímetro. Na parte interna, a zona é subdividida em uma série de quadras idênticas, cada uma com seu próprio programa/cenário, que vão da celebração da completa privacidade até instalações intensamente comunais.
Juntas, essas 'estórias' têm a intenção de despertar a Metrópole sonâmbula - Londres - de sua sonolência e inserir em seu organismo inarticulado uma zona onde o ideal degradado da Metrópole é restaurado em uma intensidade cintilante, o que instigaria os habitantes da Londres subconsciente a escaparem para dentro da faixa num êxodo impulsivo - e tornarem-se seus Prisioneiros Voluntários."
O.M.A. (The Office for Metropolitan Architecture). Exodus/1972. Architectural Design, Londres, v. 47, n. 5, p. 328-329, 1977, grifos dos autores. Trad. livre: Leandro Cruz.
"[...] Essencialmente uma cidade ideal, Exodus é uma inesperada deus-ex-machina, que leva Londres a uma gradual, porém inevitável, extinção. As pontas desta faixa urbana ideal são os pontos de fricção ideológica entre o velho e o novo, enquanto as nove quadras da cidade propriamente dita se referem aos seus rituais coletivos ideológicos: a ideologia da propriedade privada (a Quadra dos Loteamentos Privados), das festividades cerimoniais (a Quadra Cerimonial), da iniciação cívica (a Sala de Recepção), da consciência histórica (a preservação da Londres de Nash), do deleite sensual (as Termas), da alternativa artificial à natureza (o Parque dos Quatro Elementos), da cura e da imortalidade (o Hospital) e do conhecimento científico (a Quadra da Universidade).
Não há, é claro, nada de novo na permissiva coexistência ideológica destas praças de reificação burguesa. O velho sonho de Ledoux de construir uma cidade constituída de Templos para o Amor, a Memória, o Conhecimento etc.; ou aquele de Fourier em fundar uma fraternidade ideal; ou o de Jules Borie em permitir que a cidade tradicional definhasse enquanto seus habitantes fugiam para aeródromos cristalinos saídos do nada; ou o de Le Corbusier, de uma guerra eterna que o Plano Voisin iniciaria; ou o do Archigram, da transformação física do mundo na calada da noite; ou o do Superstudio de um monumento contínuo e cristalino, cruzando todo o mundo. Todos esses sonhos e ainda tantos outros estão presentes em Exodus, gerando com sua superposição um quadro freudiano da memória urbana contemporânea."
PORPHYRIOS, Demetrios. Pandora's Box: an essay on metropolitan portraits. Architectural Design, Londres, v. 47, n. 5, p. 357-362, grifo do autor. Trad. livre: Leandro Cruz.
"O Archigram estava no auge de seu poder e grupos como Archizoom e Superstudio concebiam estórias arquitetônicas supondo uma vasta expansão do território da imaginação arquitetônica. [...] 'Exodus, ou os Prisioneiros Voluntários da Arquitetura' foi uma reação a essa inocência: um projeto para enfatizar que o poder da arquitetura é mais ambíguo e perigoso. Baseado no estudo 'O Muro de Berlim como Arquitetura', Exodus propunha apagar uma seção do centro de Londres para estabelecer ali uma zona de vida metropolitana - inspirada em Baudelaire - e proteger esta zona da cidade antiga com muros, criando o máximo de divisão e contraste. As pessoas em Londres poderiam escolher: aqueles que desejassem ser admitidos nesta zona de hiperdensidade se tornariam 'Os Prisioneiros Voluntários da Arquitetura'."
KOLHAAS, Rem apud SCOTT, Felicity D. Involuntary prisoners of architecture. October, Cambridge, n. 106, p. 75-101, set./dez. 2003, grifos do autor. Trad. livre: Leandro Cruz.
[O depoimento de Koolhaas foi publicado originalmente numa edição da revista japonesa A+U, em 1988]
"Koolhaas e o O.M.A. desenvolveram suas teorias em 1972, com um estudo sobre o Muro de Berlim (novamente os muros) e com seu esquema para Londres chamado ‘Exodus, ou os Prisioneiros Voluntários da Arquitetura'. Quando mostrei para [John] Hejduk a notável semelhança na obsessão por paredes, ele recuou com desdém. É claro que não haveria lugar para dois King Rats [*] ocupando o mesmo território, mas de fato essas obsessões semelhantes se mostraram, neste caso, serem casuais (embora talvez estivessem psicologicamente conectadas).
Será que as pessoas, e não só os designers, gostam de ser ‘prisioneiros voluntários da arquitetura'? A história da arquitetura pode realmente ser vista como a prisão auto-imposta em paredes, arranha-céus, globos e agulhas? Em um sentido onírico, sim, e é esse sonho não escrito que Koolhaas pretende recordar e reforçar."
[*] N.C.: Aqui Jencks está se referindo a "Rats", provavelmente, como uma corruptela de "(Neo)Rationalists".
JENCKS, Charles. The new moderns: from late to neo-modernism. Nova York: Rizzoli, 1990. Trad. livre: Leandro Cruz.
"De forma muito irônica, Koolhaas o fundamenta na narrativa. Técnica já utilizada por ele e que começa também a ser utilizada de forma predominante por vários autores contemporâneos seus. Método que mais adiante vai ser o principal instrumento de trabalho projetual do que se denominou deconstrutivismo em arquitetura. Este procedimento consiste em utilizar um texto, uma história, um conto, como intenção de fundamento um projeto e, na maioria das vezes, dar-lhe um sentido comum."
"Exodus se torna, assim, uma analogia à problemática do Muro de Berlim e à situação ocasionada pela Guerra Fria entre Berlim Ocidental / Berlim Oriental, em um paralelo entre capitalismo / comunismo. O projeto se manifesta a partir de collages retirados de imagens tradicionais sobre a problemática do Muro de Berlim e de desenhos estruturados unicamente a partir de regras formais muito fortes. Utiliza as malhas ortogonais, as superposições e realiza uma espécie de tábula rasa com a área do projeto (o centro de Londres!)."
PASSARO, Andrés Martin. El Berlín de Koolhaas. DC - Revista de Crítica Arquitectònica, Barcelona, n. 2, p. 169-171, 1999, grifo do autor. Trad. livre: Leandro Cruz. Disponível em <http://upcommons.upc.edu/revistes/>. Acesso em: 17 jun. 2011.
"Exodus foi mais uma megaestrutura parte da produção de utopias urbanas por arquitetos e urbanistas. Sobreposta à cidade de Londres, assim como a maior parte das megaestruturas antes concebidas, esta cidade utópica era defendida por seus autores como não autoritária, apresentada como uma arquitetura combatente às condições indesejáveis (representada por Londres) e um aprofundamento no paradoxo entre a permanência da arquitetura e a instabilidade do urbanismo [...]."
"Exodus foi criada como uma estrutura contínua, repleta de fragmentos e justaposições, uma aglomeração de diferenças formais, teóricas e de interpretação. Exodus não poderia deixar de ser associada a um campo de concentração, um território fechado, excludente próximo às heterotopias contemporâneas materializadas pelas gated-cities e parques temáticos. OMA continuou a critica às megaestruturas já iniciada dentro do grupo Archigram com Ron Herron e a Walking City (apesar de Exodus conter críticas diretas ao Archigram) e retomada por Superstudio."
CAÚLA e SILVA, Adriana Mattos de. Trilogia das utopias urbanas: urbanismo, HQ's e cinema. 2008. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUFBa, Salvador, 2008, grifos da autora.