1970
Brasil, Distrito Federal
Fato RelevanteIdiomas disponíveis
Português
Marcadores
Cidades Novas, Favelas
Colaborador
Leandro Cruz (2017); Karine Souza (2016)
Citado por: 1
A Campanha foi dirigida por Vera Prates, esposa do governador na época, Hélio Prates da Silveira. Com a remoção dos moradores das invasões estes passam a morar em Ceilândia, cujo nome se origina a partir da sigla CEI.
Luiz Alberto de Campos Gouvêa, 1995:
"Antes mesmo de a cidade [de Brasília] ser inaugurada, deu-se início ao processo de desativação dos acampamentos de obras e erradicação das favelas próximas ao Plano Piloto. Foram transferidos para as cidades satélites recém-criadas, como foi o caso de Sobradinho e Gama (1960), e para expansões dos pequenos núcleos urbanos existentes em Taguatinga (1958), Brasilândia e Planaltina." [p. 67]
"Num segundo momento, que compreende o final da década de 60 e início dos anos 70, as favelas remanescentes da região administrativa - RAI foram transferidas para as cidades existentes e também para um grande núcleo provisório denominado Vila do Iapi, próximo ao Núcleo Bandeirante, posteriormente (1971-72) removido para o loteamento Cidade Satélite C/S da Ceilândia." [p. 67]
"Todavia, apesar de o governo reconhecer as qualidades urbanísticas e comunitárias da Vila, justificou sua remoção baseado em laudos ‘técnicos' que atribuíam à invasão a contaminação dos córregos próximos e a consequente eliminação da Vila também estava respaldada nas recomendações do Plano Diretor de Brasília, elaborado pelo arquiteto Lúcio Costa, que afirmava:
Deve-se impedir a enquistação de favelas tanto na periferia urbana, quanto na rural. Cabe à Companhia Urbanizadora da Nova Capital, promover, dentro do esquema proposto, acomodações decentes e econômicas para a totalidade da população.
Fica evidente na expressão ‘acomodações decentes e econômicas' a intenção governamental de se criar núcleos residenciais de padrão inferior ao do Plano Piloto para abrigar a população de menor renda.
Coerente com esta idéia, deu-se a implantação de vários loteamentos distantes do centro de emprego e remoção de favelas e acampamentos para estes locais. Tal política se revelou extremamente negativa do ponto de vista social e ambiental, particularmente a remoção da Vila Iapi para Ceilândia.
De fato, no que se refere à questão social, a mudança das famílias causou uma significativa redução de suas rendas, devido à distância do novo núcleo do centro de emprego, e principalmente em face do custo de transporte, que praticamente impediu a participação dos filhos menores e da mulher na composição da renda familiar, ficando esta basicamente estribada nos parcos ganhos do chefe da família, percebidos, geralmente, como operário da construção civil. Esclarece-se que no caso da mulher a atividade de lavar roupa consistia numa profissão das mais usuais entre as pessoas da antiga vila, que não podia ser exercida em Ceilândia, nos primeiros tempos, devido à falta de água." [p. 68-69]
"Até meados da década de 70, a política de remoção de favelas prosseguiu da mesma forma, sendo que a grande campanha de erradicação de invasões (CEI) somente de 1970 a 76 erradicou cerca de 118.453 pessoas de favelas e áreas do Plano Piloto, e houve um aumentos de 43.985 lotes, nos núcleos satélites novos ou já existentes, restando apenas 3.456 famílias (cerca de 17 mil pessoas) morando em favelas, o que nos dá a dimensão do que esta politica significou para toda a população favelada de Brasília [...]." [p. 71]
GOUVÊA, Luiz Alberto de Campos. Brasília: a capital da segregação e do controle social. Uma avaliação da ação governamental na área de habitação. São Paulo: Annablume, 1995, grifo do autor.
"Os dados do crescimento da população urbana, no período 1970-75, revelam que a desconcentração precoce tende a enfatizar a ocupação dos espaços periféricos em detrimento da ocupação do Plano Piloto. O incremento da população urbana do DF, nesse período, foi da ordem de 68,8%, cabendo ao Plano Piloto apenas a parcela de 3,6%.
O resultado desse tipo de ocupação é confirmado por outros dados. Em 1970, a população do Plano Piloto representava 30% da população do DF; esta parcela se reduziu para 26% em 1977 e para 24% em 1980.
Para tanto contribuíram ainda três mecanismos institucionais indutores: a Campanha de Erradicação de Invasões (CEI), a Companhia Imobiliária do Distrito Federal (TERRACAP) produzindo solo residencial e a Sociedade de Habitações de Interesse Social (SHIS), construindo uma grande parte das unidades residenciais populares através do Sistema Financeiro da Habitação (SFH). Somente no período 1970-76, a SHIS produziu 23.004 habitações populares para conjuntos residenciais nos núcleos satélites, principalmente em Taguatinga e no Guará. No mesmo período, a CEI erradicou cerca de 118.457 pessoas de ‘Invasões' das áreas do Plano Piloto e houve um aumento de 43.985 lotes, em núcleos satélites novos ou nos já existentes." [p. 83]
GONZALEZ, Suely Franco Netto. As formas concretas da segregação residencial em Brasília. In: PAVIANI, Aldo (Org.). Brasília, ideologia e realidade: espaço urbano em questão. São Paulo: Projeto, 1985. p. 81-100.
"Ao final da década de 60, o governo do Distrito Federal verificou que inúmeras favelas (as ‘grandes invasões') e acampamentos de construtoras (denominadas ‘localidades provisórias'), com cerca de 82 mil habitantes, ocupavam territórios estratégicos, nas proximidades do Plano-Piloto. Segundo foi reportado pela imprensa, o então presidente da República (general Médici) teria manifestado ao governador geral (coronel Prates da Silveira) seu desagrado por ter em sua trajetória para o Palácio do Planalto e, deste, para o sítio do Riacho Fundo, numerosas e ‘incomodativas invasões'. Para atender à observação presidencial e tentando coibir a proliferação das favelas (sempre atribuída às fortes migrações) o governo do Distrito Federal instituiu a Campanha de Erradicação de Invasões (CEI), que, entre os anos de 1971 e 1972, cadastrou todos os barracos existentes nas vilas periféricas ao Núcleo Bandeirante, transferindo posteriormente sua população para a nova localidade de Ceilândia. Em razão do aparato montado, a transferência se deu sem que os percalços (poeira, lama, falta de água e de trabalho) constituíssem motivo de revolta dos transferidos. O ‘comportamento adequado' dos favelados foi também atribuído à promessa de ‘legalização' dos terrenos a baixo custo e pronta instalação de equipamentos como escolas, água encanada e eletricidade, facilidades que não eram encontradas nos acampamentos e favelas da periferia do Núcleo Bandeirante." [p. 128-129]
PAVIANI, Aldo. A construção injusta do espaço urbano. In: PAVIANI, Algdo (Org.). A conquista da cidade: movimentos populares em Brasília. Brasília: Editora da UnB, 1991. p. 115-142.
"Em pouco tempo, outras pequenas vilas-favelas foram se aglomerando à Vila IAPI, formando o que chamamos de complexo IAPI, sendo a maior favela concebida na Capital Federal. Esse fato passou a fazer parte das preocupações do governo, que conduziu um plano de retirada dos favelados para uma área ainda mais distante do Plano Piloto, a nova cidade satélite de Ceilândia, cujo nome deriva da sigla C.E.I. - Campanha de Erradicação de Invasões. Assim, essa população favelada se distanciaria e também as parcas possibilidades de melhoria de qualidade de vida dela. [...]" [p. 64]
"Assim, a prática de desfavelamento adotado no processo de formação do espaço urbano de Brasília representava o que se vivenciava politicamente em toda nação, em que a imposição dos representantes políticos direcionava os rumos do espaço, por meio de métodos modernizantes, sem ao menos discutir e debater com os maiores interessados no assunto, que é a sociedade somada a seus desejos. Dessa forma, o Governo não mediu esforços para atingir seu objetivo de remoção [...]." [p. 68-69]
OLIVEIRA, Tony Marcelo Gomes de. Marcas do processo de formação do espaço urbano de Brasília pela ótica da erradicação de favelas. Universitas Humanas, Brasília, v. 5, n. 1-2, p. 49-76, jan./dez. 2008. Disponível em: <www.publicacoesacademicas.uniceub.br>. Acesso em: 5 jun. 2017.
"A história de Ceilândia é atravessada pela música. Junto com o triângulo, a sanfona e a zabumba, veio a arte do repentista e, depois, o canto indignado dos rappers. Buscaremos construir, com os fios da música, o das memórias e das histórias, um tecido que nos permita entrever a aventura da construção da cidade. Comecemos com o governo de Brasília, de Hélio Prates (1969-1974), quando foi criada a Campanha de Erradicação de Invasões - CEI, com o objetivo de remover assentamos informais situados nas proximidades do Plano Piloto que ‘ameaçavam' arruinar a integridade de seu desenho.
O comando da Campanha era partilhado por representantes de várias instâncias da administração, envolvendo as secretarias de Serviços Sociais, Viação e Obras, Agricultura, Educação e Cultura, a Companhia de Planejamento do Distrito Federal e a Sociedade de Habitação de Interesse Social - SHIS. No ponto mais alto da CEI, como era previsível, encontrava-se a figura da primeira dama, acompanhada por uma centena de distintas senhoras responsáveis por ‘sensibilizar' a opinião pública e arrecadar colaborações para auxiliar as famílias removidas, a atitude nobre e filantrópica reforçava o sentido positivo da empreitada, embalada pelo jingle ‘A cidade é uma só', o slogan da campanha. [...]"
"Em 1971, havia 17.619 lotes demarcados, numa área de 20km², para a realocação das famílias. À época, a infraestrutura urbana implementada não correspondia às necessidades reais das famílias. Quando os moradores começaram a ser assentados, ainda não estavam prontos nem o hospital, nem as escolas, nem as redes de água e esgoto. Esta última data somente de 1983. O depoimento de um dos pioneiros de Ceilândia testemunha a precariedade da cidade: ‘[...] a água para beber tinha que ser guardada uns 8 dias, pois o caminhão pipa só vinha de 8 em 8 dias'."
PEIXOTO, Elane Ribeiro et al. O rap de Ceilândia. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR. 17., 2017, São Paulo. Anais eletrônicos... São Paulo: ANPUR; FAU-USP; IAU-USP; IE-Unicamp; POSPGT-UFABC, 2017, grifo das autoras. Disponível em: <anpur.org.br>. Acesso em: 5 jun. 2017.