1994
Brasil, Rio de Janeiro
Fato RelevanteIdiomas disponíveis
Português
Colaborador
Bethânia Boaventura (2017); Carla Pereira Rocha [s.d.]
Citado por: 1
O programa Favela-Bairro teve como prioridade incorporar as favelas ao tecido urbanizado existente, ao, por exemplo, normatizar a situação urbanística e dotar estes bairros de infraestrutura urbana adequada. Segundo o GEAP, o objetivo do programa seria o de "construir ou complementar a estrutura urbana principal (saneamento e democratização de acessos) e oferecer as condições ambientais de leitura da favela como bairro da cidade". O programa destaca-se por ter o princípio de intervir o mínimo possível, focando mais na recuperação das áreas públicas e implantação de infraestrutura.
Após a sua criação dentro do contexto do Plano Diretor, o Favela-Bairro é incorporado ao Plano Estratégico do Rio de Janeiro (1995), tendo o Plano, então, os objetivos de: melhorar as condições de vida nas favelas através da implantação de serviços básicos (lazer, saúde, educação, água, esgoto, energia elétrica etc.) da requalificação de acessos e de regularização fundiária que permitam caracteriza-las como bairros. Assim, o programa Favela-Bairro passa a fazer parte de dois modelos de planejamento: o Plano Diretor e o Plano Estratégico.
Em 1994, é organizado pelo IAB/RJ o Concurso Público para a Seleção de Propostas Metodológicas e Físico-Espaciais Relativas à Urbanização de Favelas no Município do Rio de Janeiro, para que fossem elaborados projetos de intervenção. Esta primeira iniciativa destinou-se a quinze favelas de pequeno e médio porte. Para a implementação da primeira etapa do Programa, foram incorporados recursos do município e recursos provenientes de convênios com a União Europeia, o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) do Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Cristiane Rose Duarte, Osvaldo Luiz Silva e Alice Brasileiro, 1996:
"No âmbito da implantação de novas estratégias de revitalização urbana no Rio de Janeiro, a Prefeitura, através, de sua Secretaria de Habitação, promoveu em maio de 1994 o concurso público Favela-Bairro.
Aberto a equipes de arquitetos e urbanistas estabelecidos na cidade do Rio de Janeiro, este concurso foi organizado com o apoio do Instituto dos Arquitetos do Brasil do Rio de Janeiro e recebeu inscrição de 34 equipes, mobilizando cerca de 150 profissionais, o que representou uma aceitação bastante significativa face ao ainda pequeno número de escritórios dedicados ao tema da habitação popular no Estado do Rio de Janeiro.
[...] seu edital lançava o desafio de elaborar propostas metodológicas para transformar as favelas em verdadeiros bairros populares, buscando formas de promover a integração destas duas faces tão distintas do mundo urbano brasileiro: a cidade oficial e a cidade informal.
[...] Integrar deveria representar um estimulo à interação sócio cultural, que garantisse a preservação das identidades culturais, dos valores e dos significados dos espaços. Integrar deveria significar atuar de forma a não impor valores advindos dos padrões culturais da cidade formal sobre a informal, de maneira a evitar a exclusão cultural e social dos seus moradores.
Obviamente, as questões relativas aos problemas de saneamento básico, drenagem, iluminação pública, abastecimento, restauração ambiental e equipamentos comunitários, entre outras, não seriam esquecidas. Porém, o simples fato de se tratar de um concurso com ênfase no caráter metodológico valorizou principalmente a reflexão como indutora da ação nos espaços da cidade.
Desta forma, o concurso estimulou uma reflexão sobre os múltiplos papéis que as favelas desempenham no universo das metrópoles brasileiras."
Cesar Maia, 1996:
"A decisão de criar um órgão próprio para regularizar a política habitacional do município do Rio surgiu em agosto de 1993 durante um seminário sobre habitação, na Câmara dos Vereadores, quando anunciamos a criação do Grupo Executivo de Assentamentos populares, embrião da Secretaria Extraordinária de Habitação. Em dezembro de 1994, após aprovação dos vereadores, sancionamos a lei criando a Secretaria Municipal de Habitação, em solenidade oficial no auditório do Centro Administrativo São Sebastião.
Com a criação da SMH pretendíamos, e estamos caminhando para atingir este objetivo, que o trabalho da nova Secretaria fosse determinado pela intervenção do Poder Público, como forma de integrar a cidade com as comunidades carentes. Mais do que esgoto, escadarias, pavimentação, essas áreas também precisam ser vinculadas ao resto da cidade, através de projetos de sucesso como o Favela-Bairro.
O objetivo principal era o de expandir as ações realizadas pelos governos anteriores, na área da habitação. Definimos como bases da política habitacional do município do Rio a compreensão de que a moradia é um direito do cidadão; a habitação não é só a casa, mas integração à estrutura urbana (infra-estrutura sanitária, de transporte, de educação, de saúde e de lazer); e que compete à coletividade prover a esturra urbana. Visa, portanto, compatibilizar o direito individual com as possibilidades coletivas na construção de uma ‘Cidade Maravilhosa'.
A política habitacional do município do Rio teve seus objetivos básicos estabelecidos pelo Plano Diretor da Cidade: utilização racional do espaço público através do controle institucional do solo urbano, reprimindo a ação especulativa sobre a terra e simplificando as exigências urbanísticas para garantir à população o acesso à moradia com infra-estrutura urbana; relocalização prioritária das populações assentadas em áreas de risco, com sua recuperação imediata e adequada; urbanização e regularização fundiária de favelas e de loteamentos de baixa renda; implantação de lotes urbanizados e de moradias populares; e a geração de recursos para o financiamento dos programas dirigidos a redução de déficit habitacional e à melhoria da infra-estrutura urbana, com prioridade para a população de baixa renda."
"A política habitacional incentivará a ocupação dos vazios urbanos infra-estruturados; a construção de moradias populares distribuídas pelos tecidos urbanos existentes; a construção de pequenos e médios grupos de habitação; e a convivência entre usos compatíveis, em especial entre o uso residencial e o comercial ou industrial não poluente.
Em contrário, desestimularemos a expansão da mancha urbana para o uso residencial em áreas que exigem nova infra-estrutura; a construção de conjuntos residenciais nas fraldas do tecido urbano; a construção de grandes conjuntos residenciais, que com dificuldade se integram ao tecido social e demandam recursos concentrados; e a segregação espacial de usos e a restrição ao uso residencial."
Sérgio Ferraz Magalhães, 1996:
"Em 8 de junho de 1994, com o apoio e participação do IAB-RJ e da Empresa municipal de Informática e Planejamento - Iplanrio foram identificadas as quinze equipes, selecionadas através dc concurso público, para atuarem, em conjunto com técnicos do município, na primeira etapa do Programa Favela Bairro, que alcança 50.000 habitantes.
A realização do concurso permitiu um aprofundamento da reflexão sobre o fenômeno urbano carioca, a luz da experiência brasileira no trato da questão da moradia.
Objetivamos reverter um quadro de dicotomia crescente entre a cidade forma/legal e a informal/dos excluídos. Hoje, passado um ano, muito se caminhou neste sentido os projetos referentes a primeira etapa estão prontos, as obras iniciadas."
Maria Helena Röhe Salomon, 2005:
"[...] Vários escritórios multidisciplinares, escolhidos por concurso público de metodologia e coordenados pela Secretaria Municipal de Habitação, elaboraram planos de intervenção, iniciativa até então inédita na cultura urbanística brasileira. Considerando-se a dificuldade de elaboração de bases cartográficas, de consolidação de uma metodologia e de definição de soluções possíveis, o programa representou o trabalho simultâneo em várias áreas na cidade. Aos recursos próprios do Município, destinados para as 15 primeiras favelas, somaram-se os provenientes de convênios com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), União Européia e Banco Mundial (BIRD).
Do ponto de vista da inclusão social - e não só urbanística - foram criados programas ligados, por exemplo, à geração de renda, ao esporte e lazer, gari comunitário e reflorestamento de encostas. Foi criada também, uma linha de micro-crédito destinada à reforma e construção de casas e a iniciativas de trabalho.
O grande desafio se tornou, na realidade, o acompanhamento e controle da expansão das áreas beneficiadas pelo programa. Denominados Pousos, os Postos de Orientação Urbanística e Social, hoje subordinados à Secretaria Municipal de Urbanismo, têm como atribuição final a regularização urbanística através da concessão - por domicílio - de um documento denominado ‘habite-se'. A regularização fundiária é feita posteriormente e na esfera do direito privado.
[...] Aquilo que resulta, nos procedimentos da cidade formal, da aprovação de um projeto, após o trâmite através de vários órgãos - corpo de bombeiros ou proteção de bens culturais, por exemplo - e do atendimento a um grande número de legislações específicas é, para estas áreas declaradas ‘Áreas de Especial Interesse Social', um procedimento à posteriori. A nova legislação resulta da elaboração de um mapa cadastral contendo a definição de espaço público, o uso e ocupação do solo, os limites para a expansão vertical e horizontal e a identificação das áreas de risco geológico. Cabe aos Pousos a elaboração e fiscalização destes parâmetros, a articulação com os vários órgãos responsáveis pela manutenção física e a promoção social. [...]"
"Um dos desdobramentos positivos da implantação do programa Bairrinho em Vila Canoa foi o projeto ‘Bela Favela' realizado, em 2001, pela mesma equipe responsável pelo plano de intervenção, a ArquiTraço. Em parceria entre a ONG Come Noi e a Associação de Moradores de Vila Canoa, este projeto-piloto visou à recuperação de fachadas das edificações com aplicação de revestimento artístico pelos próprios moradores, associando criatividade à promoção de saúde. Nota-se que, dentro do enorme esforço de auto-promoção da moradia, o revestimento externo é muitas vezes dispensado.
Vila Canoas continua atraindo novos moradores (e turistas). É crescente o número de subdivisões para aluguel de unidades residenciais. O principal trabalho a ser feito é o de conscientização sobre o morar saudável. Vila Canoas será, para seus habitantes, finalmente uma estrutura urbana perene, com a sua graça peculiar."
Catherine Osborn, 2013:
"Apesar dos termos do programa Favela-Bairro terem estipulado que um de seus objetivos seria obter a ‘maior participação possível' de moradores no planejamento dos projetos, Da Cunha conta que não se lembra de participação pública durante a implementação do programa em Acari. Ele conta que a participação de moradores com respeito ao desenvolvimento da comunidade é em geral bem forte - a creche foi construída pelas mães da comunidade e existem várias organizações comunitárias culturais para jovens em Acari - ele até sonha em trazer o orçamento participativo para a comunidade. Mas a abordagem do Favela-Bairro foi de cima para baixo.
Até 2008 o programa Favela-Bairro alcançou 168 favelas e loteamentos no Rio de Janeiro. Um estudo quantitativo do BID de 2005 mostrou que em 37 comunidades servidas pela primeira fase do programa houve um aumento significativo no acesso à água e saneamento, em comparação com outras comunidades que não foram atendidas pelo programa, sendo o impacto maior nas favelas mais pobres. O estudo também consta que os projetos de saneamento não impactaram o índice de mortalidade infantil devido à doenças transmitidas por vetores, e tampouco causaram um acréscimo nos alugueis nas comunidades servidas pelo programa, considerando o aumento de renda dos bairros vizinhos. Além disso, o estudo deixa claro que o objetivo do programa Favela-Bairro é abordar os resultados da falta de habitação na cidade a preços acessíveis e não tratar, em primeiro lugar, as condições que forçam as pessoas a viverem em condições informais. O assunto sobre o que leva as pessoas à morar nesses assentamento deve ser abordado no futuro, como deve-se também acrescentar o acesso à serviços sociais para o aprimoramento do programa de urbanização."
"Devido à combinação da pressão interna e internacional, e o crescente número de votos dos moradores de favelas, o programa Favela-Bairro, de fato, representou a rotinização de programas de urbanização direcionados às favelas como parte da política oficial da cidade e a adição de serviços sociais na segunda fase do programa foi uma indicação das tendências dos programas de urbanização seguintes. O próximo programa nas favelas implementado em escala nacional, o Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) de 2007 forneceu mais de US$300 bilhões de dólares em infraestrutura e assistência social à [sic] comunidades pobres em todo o país.
Como a urbanização local tornou-se consenso na política do governo para as favelas nas décadas de 1990 e 2000, a avaliação destas políticas tem exigido uma mudança de olhar, não apenas nas intenções destes programas, mas também na sua implementação. ‘Espero que a construção do programa de urbanização nas favelas mantenha o uso de materiais de boa qualidade', diz Da Cunha em Acari, ‘e com o mesmo senso de urgência que há em obras em outras partes da cidade'. No final dos anos 2000 este ainda não era o caso. Entre 2005 e 2008, os projetos Favela-Bairro estavam atrasados e sem fundo, com muitos empreiteiros abandonando o projeto pelas dificuldades das condições de trabalho. Logo depois, no entanto, esses projetos em atraso teriam uma nova fonte de financiamento e um novo nome, o do Morar Carioca."
Pedro Abramo, 2006:
"Nos últimos oito anos de políticas urbanas, não classificaria o Favela-Bairro como exitoso ou fracassado. O programa tem aspectos que foram bem sucedidos e outros não. O êxito é por ser o primeiro programa de urbanização em grande escala. Ele já atingiu mais de 100 favelas, das 720 que existem.
O segundo aspecto positivo é a continuidade. Os programas antes não tinham essa continuidade temporal. O programa tem oito anos e está sendo renegociada sua quarta fase com BID. Porém, embora seja um programa massivo ele precisa de alguns anos para se completar.
Ele pretendia unir a favela ao tecido da cidade e foi ganhando um conjunto de projetos sociais. Esses programas de geração de emprego e renda não foram tão positivos quanto se esperava. Outro problema é a manutenção. Os programas de urbanização em favelas têm a tendência de intervir e se ausentar, provocando uma deterioração precoce das obras.
O Favela-Bairro por ser um programa de criação de infra-estrutura, não atua na modificação da unidade familiar. Uma parte importante das favelas tem um problema de massificação que pede uma melhora nas casas das pessoas."
"O reconhecimento dos direitos dos moradores das favelas foi uma conquista dos movimentos populares nos anos 70, que rejeitaram a política de remoção, e não algo que veio com o Favela-Bairro.
O Favela-Bairro integra vários programas de intervenção nas favelas. Mas a política pública de intervenção para a população de baixa renda não pode se limitar ao Favela-Bairro. Ele é importante, mas está gerando a densificação das favelas, como um perverso efeito secundário. A taxa de crescimento da população das favelas aumentou dos anos 90 para os anos 2000, pela precarização do mercado de trabalho, que levou os trabalhadores para o mercado informal e conseqüentemente para o mercado informal de habitação. Com os loteamentos clandestinos cada vez em subúrbios mais distantes e o aumento do gasto com transportes, acabou sendo mais viável para a população de baixa renda morar nas favelas."
Maria de Fátima Cabral Marques Gomes, 2013:
"É necessário buscar as determinações político-econômicas de ordem global para melhor entender a lógica desse Programa. Segundo Abramo [...], trata-se de um padrão de intervenção orientado pelos princípios de concorrência interurbana, de equilíbrio fiscal urbano e pela perspectiva de gestão liberal. Os critérios de estruturação urbana envolvem interesses do capital globalizado e são concebidos a partir da concorrência urbana, buscando atrair mais investimentos externos para a cidade. Do ponto de vista financeiro, essa intervenção municipal possibilita a obtenção de ganhos financeiros ao aplicar o controle urbanístico quanto à cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), bem como permite um ganho eventual na receita tributária com as transações de compra e venda no local. Com a intervenção pública, a população passa assumir novos encargos financeiros sem que haja nenhum incremento da renda. Com as obras, os imóveis são valorizados, colocando os moradores do local em posição vulnerável em relação ao mercado imobiliário. Essa lógica tende a expulsar dos limites urbanos a população mais empobrecida do local. Urbanizando favelas, o poder público potencializa a eficiência dos equipamentos e serviços coletivos, homogeneíza o tecido urbano, tornando-o mais atrativo para os investimentos internos e externos. Assim, alinhava-se a política de habitação às orientações internacionais consensuadas na agenda Habitat elaborada na Conferência Habitat II, em 1996 em Istambul [...].
Entendemos que o Favela-Bairro, ao urbanizar as favelas cariocas, atende contraditoriamente às demandas populares, ao tempo em que é orientado por determinações do capital globalizado, através de exigências do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Dessa forma, a urbanização de favelas, que deveria contribuir para a incorporação da favela à cidade, oferecendo aos seus habitantes um meio ambiente de qualidade, volta-se para a preocupação de inserir a cidade nos fluxos globais, limitando o alcance desse programa habitacional para democratizar a cidade [...]. Seguindo as orientações da agenda Habitat, que preconiza os enfrentamentos das questões urbanas sem o monopólio do Estado, o projeto de intervenção e a execução desse programa de urbanização foram realizados por empresas privadas que se descuidaram da abordagem participativa enfatizada tanto pela agenda Habitat como pelo discurso do Programa, contribuindo para subordinação dos interesses públicos aos interesses privados. No plano da habitação popular, um volume nunca visto de recursos foi destinado a esse Programa.
A despeito das críticas ao Programa Favela-Bairro, estudo, realizado por Abramo [...], aponta que em relação à infraestrutura, a situação de favelas dez anos depois da implementação do Programa encontra-se bem melhor comparativamente àquelas em que essa intervenção não foi realizada. Esse mesmo estudo assinala que não houve melhoria da situação econômica dos moradores beneficiados pelo Programa Favela-Bairro o que poderia ter implicado no deslocamento dessa população pela valorização de imóveis. Destaca-se que o impacto esperado no que diz respeito à valorização dos imóveis dessas localidades não se realizou devido ao incremento das atividades relacionadas ao tráfico de drogas que colocou obstáculos para a incorporação das favelas no mercado imobiliário [...].
A infraestrutura implantada nas favelas que passaram pelo referido Programa foi realizada com material de baixa qualidade e a manutenção prevista para ser monitorada e executada pelos Postos de Orientação Urbanística e Social (POUSOs) funcionou precariamente sem atender as demandas de cada favela, levando várias delas a demandar uma outra intervenção para corrigir a primeira. De um lado, acatando reivindicações populares por novas obras e demandas de favelas que ainda não haviam sido beneficiadas pelo Favela-Bairro, e, do outro lado, considerando a violência crescente no espaço urbano, a entrada de investimentos ligados ao Pré-Sal, outras melhorias na economia carioca, e a eleição do Rio de Janeiro para sediar grandes eventos, entre eles a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, a Prefeitura do Rio de Janeiro, articulada com o poder público estadual e federal cria, em 2010, o Programa Morar Carioca."
Luiz Ernesto Magalhães, 2011:
"A prefeitura vai assinar com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), até o fim de abril, o contrato de financiamento da terceira etapa do Favela-Bairro. Na nova fase do projeto, além das obras de urbanização, haverá programas para tentar reduzir a violência nas comunidades. Uma das iniciativas seria uma espécie de choque de ordem para conter o crescimento desordenado e o despejo irregular de lixo, além de outras irregularidades. O anúncio foi feito nesta terça-feira pelo urbanista do BID José Brakarz durante o 5º Fórum Urbano Mundial, promovido pela ONU Habitat, na Zona Portuária.
Brakarz, no entanto, evitou usar a expressão ‘choque de ordem'". Segundo ele, a proposta do BID é implantar um projeto que concilie a urbanização com a paz nas comunidades. Parte dos recursos serão usados ainda para concluir obras do Favela-Bairro 2 que ficaram incompletas."
Lícia do Prado Valladares, 2005:
"[...] Enfim, a forte retomada da curva nos anos 1990 corresponde a uma nova política ambiciosa, lançada em 1993, novamente com forte influência da mídia. Trata-se do Programa Favela-Bairro, que retoma e amplia, consideravelmente, a experiência pioneira da CODESCO de urbanização de favelas. Esse modo de intervenção tornou-se hoje o referencial incontestável das políticas públicas." [p. 140]
Paola Berenstein Jacques, 2006:
"[...] Do caso mais extremo onde a favela era removida e seus habitantes relocados em conjuntos habitacionais cartesianos na periferia, a maioria em prédios modernistas, até o caso mais brando atual, onde os arquitetos passaram a intervir nas favelas existentes visando transformá-las em bairros (ex. programa Favela-Bairro no Rio de Janeiro), a lógica racional dos arquitetos e urbanistas ainda é majoritária pois estes tentam impor a sua própria estética que é quase sempre a da cidade dita formal."
Adauto Lúcio Cardoso, 2007:
"Historicamente, os programas de urbanização têm se limitado a atuar na melhoria das condições físico-urbanísticas, na regularização da situação fundiária e em melhorias habitacionais. Mais recentemente, vêm se ampliando as intervenções que associam esse padrão de intervenção com ações de política social, mais especificamente na capacitação profissional e na geração de trabalho e renda. Em particular, essa diretriz vem sendo reforçada pelos modelos impostos nos pacotes de financiamentos dos organismos multilaterais. O slum upgrading passou a compor o portfolio de programas sociais do Banco Mundial e do BID, como parte da estratégia de atenuação dos efeitos dos programas de ajuste recessivo, implicando, portanto, em agregar, à intervenção física, ações específicas direcionadas à redução da pobreza. A articulação entre ações de caráter social e de caráter urbanístico permitiria assim uma ‘territorialização das políticas sociais', aumentando a sua efetividade e sua capacidade de focalização (targeting).
De fato, de 1990 em diante, o novo discurso do Banco Mundial busca atenuar os efeitos sociais das políticas de ajuste, articulando-as a estratégias de alívio à pobreza e à criação de "poverty safety nets". O documento de 1991, intitulado Urban Policy and Economic development: an agenda for the 90's coloca no centro da agenda o aumento da "produtividade da economia urbana", como estratégia básica para enfrentar a questão da pobreza, aliada a ações específicas nesta área. Nesse caso, parece que, dada a imposição do ajuste, que se realiza na escala nacional, o aumento da produtividade da economia urbana visaria minimizar os impactos negativos, criando alternativas locais para o crescimento do emprego e da renda. Uma das conseqüências desse ideário foi o desenvolvimento das estratégias de competição entre cidades, cujos efeitos danosos já foram suficientemente tratados pela literatura. Projetos urbanos programáticos ganham maior espaço nas linhas de financiamento do banco, com a urbanização de favelas (slum upgrading) passando a ser um componente fundamental dos projetos. A partir da crítica às intervenções pontuais das décadas anteriores, o scaling-up passa a ser o novo desafio, visando atingir os pobres de forma mais ampla." [p. 233-234]
"[...] Não existem avaliações significativas sobre a efetividade dos componentes de política social das intervenções em favelas. Ressalte-se que as experiências mais recentes vêm privilegiando o desenvolvimento do ‘empreendedorismo' e do microcrédito como alternativas aos antigos programas de formação e capacitação profissional. [...] Não é muito difícil problematizar essas iniciativas, dados os limites estruturais do mercado na absorção dos novos empreendedores, assim como se verificou o limite do mercado de crédito formal na utilização da propriedade imobiliária como garantia creditícia, após o extenso programa de regularização ocorrido no Peru, sob inspiração das idéias de De Soto e com apoio do Banco Mundial." [p. 234]
Jorge Fiori, Elizabeth Riley e Ronaldo Ramirez, 2004 [2001]:
"No cenário internacional, o Favela Bairro está recebendo atenção e reconhecimento consideráveis como um programa de melhoria exemplar que visa reduzir a pobreza urbana. Evidentemente, as iniciativas governamentais para reduzir a pobreza estão longe de serem novas, mas o que faz a diferença agora é a escala dessas iniciativas, seus objetivos ambiciosos e sua complexa organização institucional e política. Tais iniciativas refletem a prioridade que vem adquirindo entre os formuladores de políticas, agências internacionais. ONGs e organizações comunitárias o tema da redução da pobreza."
"Talvez uma das contribuições importantes do programa Favela Bairro - contradizendo, de alguma forma, seu próprio nome - tem sido ajudar a consolidar a percepção de que as favelas são uma parte diferente mas integrante da cidade; na verdade, elas são bairros, embora necessitem de melhorias. Em vez de ampliar a cidade formal e suas regulamentações nos espaços irregulares da ‘não-cidade', o desafio que se coloca para programas de grande escala como o Favela Bairro é contribuir para o ‘refazer' da cidade como um todo e o ‘redesenho' de suas instituições. Em vez de uma integração que possa ser entendida como sinônimo de homogeneização, o desafio é criar uma cidade com integridade - múltipla, diversa e inclusiva. Aqui reside a grande complexidade da nova geração de programas de melhoria de grande escala: aqui reside, também, o potencial e a radicalidade de sua ambição. Uma ambição que só pode ser abordada por meio do aprofundamento contínuo dos processos de participação social e de democratização política."
"No geral, a experiência do Favela Bairro nos mostra o caráter essencialmente político da construção de alternativas e estratégias sustentáveis de redução da pobreza urbana. Também nos mostra que não é possível aprofundar os processos democráticos e participativos - meio e fim de qualquer estratégia sustentável - sem correr os riscos inerentes às dinâmicas políticas, complexas e conflitivas. A sedução pelos atalhos - seja o de um discurso tecnocrático-pragmático, seja o da despolitizada busca pelo pseudoconsenso, seja o dos fantasiosos ‘mistérios do capital' sobre os quais fala De Soto, ou seja uma combinação destes - tem sistematicamente falhado em produzir qualquer resposta significativa e sustentável aos problemas das favelas e da pobreza. É no enfrentamento dos riscos políticos que o Favela Bairro tão fortemente desvelou - mas nem sempre enfrentou - que se funda não só a continuidade do próprio programa e dos seus objetivos, mas a possibilidade de uma cidade mais inclusiva."