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O livro foi dividido, originalmente, em três partes. Na primeira, "Uma significação para os estacionamentos da A&P, ou Aprendendo com Las Vegas", são apresentados os resultados do projeto de pesquisa desenvolvido em um ateliê na pós-graduação da Universidade de Yale, em 1968 - onde Denise Scott Brown e Robert Venturi ensinavam na época -, e teve como base o artigo publicado por Scott Brown e Venturi na revista The Architectural Forum em março daquele mesmo ano. Na segunda parte, "Arquitetura feia e banal, ou o galpão decorado", os autores dão prosseguimento à análise inicial e apontam possibilidades para a arquitetura, tirando partido do simbolismo e da iconografia da cidade contemporânea. Na terceira parte do livro, "Ensaios sobre o feio e o banal: alguns galpões decorados", foram apresentados projetos do escritório Venturi and Rauch, desenvolvidos entre 1965-71. Esta seção foi removida a partir da segunda edição do livro - mesmo sua menção foi removida no Prefácio revisado para a segunda edição, em 1977.
Ao longo da obra, especialmente na segunda parte, fazem uma crítica à produção arquitetônica da época nos Estados Unidos, especialmente a obras influenciadas pelo tema das megaestruturas. Os autores afirmam que seus interesses iam além de trabalhar especificamente com a cidade de Las Vegas. Eles pretendiam, em sentido amplo, compreender o fenômeno de uma nova forma urbana que estava surgindo naquele momento nos Estados Unidos e na Europa (a cidade como um corredor comercial), usando Las Vegas como a sua formação arquetípica. E, sobretudo, ainda segundo os autores, o livro traz como tema principal a questão do simbolismo da forma arquitetônica - daí terem acrescentado um subtítulo a partir da segunda edição, de 1977.
RATTENBURY, Kester; HARDINGHAM, Samantha (Ed.). Robert Venturi and Denise Scott Brown: Learning from Las Vegas. Abingdon: Routledge, 2007. Col. Supercrit, n. 2.
STADLER, Hilar; STIERLI, Martino (Ed.). Las Vegas Studio: images from the archives of Robert Venturi and Denise Scott Brown. Zurique: Scheidigger & Spiess, 2009.
VENTURI, Robert; SCOTT BROWN, Denise; IZENOUR, Steven. Learning from Las Vegas: the forgotten symbolism of architectural form. 2. ed. Cambridge; Londres: MIT Press, 1977.
VENTURI, Robert; SCOTT BROWN, Denise; IZENOUR, Steven. Aprendendo com Las Vegas: o simbolismo (esquecido) da forma arquitetônica. São Paulo: Cosac Naify, 2003.
VINEGAR, Aron; GOLEC, Michael J. (Ed.). Relearning from Las Vegas. Minneapolis; Londres: University of Minnesota Press, 2009.
VINEGAR, Aron. I am a monument: on Learning from Las Vegas. Cambridge: The MIT Press, 2008.
Robert Venturi, Denise Scott Brown e Steven Izenour, 2003 [1972; 1977]:
"A primeira parte deste livro é uma descrição de nosso estudo sobre a arquitetura do corredor [strip] comercial. A segunda é uma generalização sobre o simbolismo na arquitetura e a iconografia do esparrame urbano [urban sprawl] com base em nossas descobertas feitas na parte I.
Las Vegas é atravessada pela Rota 91, o arquétipo do corredor comercial, o fenômeno em seu estado mais puro e intenso. Acreditamos que a documentação e a análise cuidadosa de sua forma física é tão importante para os arquitetos e urbanistas de hoje quanto foram os estudos da Europa medieval e da Grécia e Roma antigas para gerações anteriores. Um estudo desse tipo ajudará a definir um novo tipo de forma urbana que surge nos Estados Unidos e na Europa, radicalmente diferente de tudo o que conhecemos, o qual não estamos bem equipados para entender e que, por ignorância, definimos hoje como espalhamento urbano. Um dos objetivos deste estudo será, por meio de uma investigação aberta e sem preconceitos, chegar a compreender essa nova forma urbana e começar a desenvolver técnicas para seu tratamento."
[parte 1]
Uma significação para os estacionamentos da A&P, ou aprendendo com Las Vegas
"Aprender com a paisagem existente é, para o arquiteto, uma maneira de ser revolucionário. Não do modo óbvio, que é derrubar Paris e começar tudo de novo, como Le Corbusier sugeriu na década de 1920, mas de outro, mais tolerante, isto é, questionar o modo como vemos as coisas."
"Las Vegas é analisada aqui somente como um fenômeno de comunicação. Assim como uma análise da estrutura de uma catedral gótica não precisa incluir um debate sobre a moralidade da religião medieval, os valores de Las Vegas não são questionados aqui. A moralidade da propaganda comercial, dos interesses do jogo e do instinto competitivo não está em questão aqui, embora acreditemos que deveria fazer parte das tarefas mais amplas, sintéticas, do arquiteto, das quais uma tal análise seria apenas um aspecto. Nesse contexto, o exame de uma igreja drive-in se equipararia ao de um restaurante drive-in, pois se trata de um estudo de método, não de conteúdo. [...]"
[parte 2]
Arquitetura feia e banal, ou o galpão decorado
"Enfatizaremos a imagem - a imagem acima do processo ou da forma - ao sustentar que a arquitetura depende, para sua percepção e criação, de experiências passadas e associações emocionais e que esses elementos simbólicos e representacionais podem, com freqüência, contradizer-se à forma, à estrutura e ao programa com os quais estão associados no mesmo edifício. Examinaremos essa contradição em suas duas manifestações principais:
1. Quando os sistemas arquitetônicos de espaço, estrutura e programa são submersos e distorcidos por uma forma simbólica global, chamamos esse tipo de edifício, que se converte em escultura, de pato, em homenagem ao ‘Patinho de Long Island', avícola em forma de pato, ilustrado por Peter Blake em seu livro God's Own Junkyard [...].
2. E damos o nome de galpão decorado ao tipo de edifício cujos sistemas de espaço e estrutura estão diretamente a serviço do programa, e o ornamento se aplica sobre estes com independência [...].
O pato é a edificação especial que é um símbolo; o galpão decorado é o abrigo convencional a que se aplicam símbolos [...]. Sustentamos que ambos os tipos de arquitetura são válidos - Chartres é um pato (embora seja um galpão decorado também), e o palácio Farnese é um galpão decorado - mas achamos que o pato é raramente relevante hoje, embora permeie toda a arquitetura moderna."
VENTURI, Robert; SCOTT BROWN, Denise; IZENOUR, Steven. Aprendendo com Las Vegas: o simbolismo (esquecido) da forma arquitetônica. São Paulo: Cosac Naify, 2003, grifos dos autores.
"Esta nova edição de Aprendendo com Las Vegas surgiu do descontentamento expressado por estudantes e outras pessoas com relação ao preço da versão original. [...]
As principais omissões são a da seção final, sobre nosso trabalho, e de cerca de um terço das ilustrações, incluindo quase todas as coloridas e aquelas preto-e-branco que não podiam ser reduzidas para caber num tamanho de página menor. A mudança de formato reduz ainda mais o preço, mas esperamos que ela sirva também para mudar a ênfase do livro, das ilustrações para o texto, e eliminar o conflito entre nossa crítica do design da Bauhaus e o design Bauhaus tardio do livro; achamos que o ‘interessante' estilo moderno da primeira edição não correspondia ao nosso tema e o espaço triplo entre as linhas tornava difícil a leitura do texto.
Desnudadas e vestidas com roupa nova, as análises da Parte I e as teorias da Parte II devem se parecer mais com o que pretendíamos: um tratado sobre o simbolismo na arquitetura. O tema de nosso livro não é Las Vegas, mas o simbolismo da forma arquitetônica. A maioria das alterações no texto (além das correções de erros e mudanças para se adequar ao novo formato) foi feita para destacar este foco. Pelo mesmo motivo, acrescentamos um subtítulo, O simbolismo (esquecido) da forma arquitetônica. Fizeram-se algumas outras mudanças, de modo elegante, esperamos, para ‘dessexualizar' o texto. Conforme o costume mais sadio e humano de hoje, o arquiteto não é mais referido somente no masculino."
SCOTT BROWN, Denise. Prefácio à edição revisada. In: VENTURI, Robert; SCOTT BROWN, Denise; IZENOUR, Steven. Aprendendo com Las Vegas: o simbolismo (esquecido) da forma arquitetônica. São Paulo: Cosac Naify, 2003, p. 17-20, grifos da autora.
"Com a publicação de Learning from Las Vegas [Aprendendo com Las Vegas] em 1972, escrito por Venturi, Denise Scott-Brown e Steve Izenour, a avaliação sensível e equilibrada feita por Venturi das realidades práticas em seu confronto com a prática cotidiana - a necessidade de estabelecer a ordem contra a desordem e vice-versa - modificou-se, passando da aceitação do aviltado [*] à sua glorificação; de uma modesta avaliação da Rua Principal como ‘quase correta' a uma leitura do quadro para afixar anúncios como a utopia transfigurada do Iluminismo, ocupando seu lugar como uma transposição de ficção científica no meio do deserto!
Essa retórica, que nos levaria a ver os estacionamentos A & P como os tapis verts de Versalhes, ou o Caesar's Palace de Las Vegas como o equivalente moderno da Villa de Adriano, é ideologia em sua forma mais pura. A postura ambivalente do modo como Venturi e Scott Brown exploram essa ideologia como uma maneira de nos fazer tolerar o kitsch implacável de Las Vegas, como uma máscara exemplar para o ocultamento da brutalidade de nosso próprio meio ambiente, testemunha a intenção estetizante de sua tese. E, enquanto seu distanciamento crítico lhes permite o luxo de descrever o cassino típico como uma paisagem inexorável de sedução e controle - eles enfatizam os espelhos dupla face e a intemporalidade ilimitada, escura e desorientadora do seu interior -, eles têm o cuidado de dissociar-se dos seus valores. Isto não os impede, contudo, de apresenta-lo como um modelo para a reestruturação da forma urbana [...]."
[*] N.C.: O termo "aviltado" aparece como "honky-tonk" no original de K. Frampton, que poderia ser traduzido mais apropriadamente como "espelunca".
FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997, grifos do autor.
"[...]. Em A Significance for A & P Parking Lots ou Learning from Las Vegas e ‘Learning from Levittown' ele e seus colaboradores, Denise Scott Brown e Steven Izenour, diziam onde se poderia encontrar a necessária ‘vitalidade desordenada'. As deixas vinham da arquitetura ‘vernácula' dos Estados Unidos na segunda metade do século XX. ‘A Rua Central é quase aceitável', segundo um dos seus ditados. E também o eram os projetos habitacionais (Levittown) e as faixas comerciais (Las Vegas)."
"Nem por um instante Venturi questionou as premissas fundamentais da arquitetura moderna; ou seja, que se destinava ao povo; que deveria ser não-burguesa e despojada de ornatos; que havia uma inexorabilidade histórica nas formas a serem usadas; e que o arquiteto, de seu posto de observação no interior do reduto, decidira o que era melhor para o povo e o que ele inevitavelmente deveria receber."
"Na cosmologia de Venturi, já não se podia pensar o povo em termos de proletariado industrial, trabalhadores com os punhos erguidos, artérias branquiais congestionadas e pescoços mais grossos que as cabeças, as massas espezinhadas do marxismo vivendo em guetos urbanos. O povo agora era ‘a classe média-média', como Venturi a chamava. Vivia em loteamentos suburbanos como Levittown, fazia compras na A& P do shopping-center, e passava as férias em Las Vegas da mesma maneira que antes costumava ir a Coney Island. A classe média-média não era a burguesia. Era a massa ‘em expansão', em oposição à massa ‘compacta'. Agir de forma esnobe com relação a ela era ser elitista. E o que poderia ser mais elitista nessa nova era, Venturi queria saber, do que a tradição miesiana do Estilo Internacional, com a sua ênfase em formas ‘heróicas e originais'? O modernismo de Mies em si... tornara-se burguês! Os arquitetos modernos tinham se deixado obcecar pela forma pura. Comparava a ‘caixa' de Mies a uma venda de beira de estrada em Long Island construída em forma de pato. A estrutura inteira visava expressar um único pensamento: ‘Aqui patos'. Da mesma maneira, a ‘caixa' de Mies. Era nada mais nada menos que uma única expressão: ‘Aqui arquitetura moderna'. O que a transformava em expressionismo, certo? Heróica, original, elitista, expressionista - que coisa tão burguesa!"
WOLFE, Tom. Da Bauhaus ao nosso caos. Rio de Janeiro: Rocco, 1990, grifos do autor.
"Um dos mais reveladores documentos da ruptura do pós-modernismo com o dogma modernista é um livro de Robert Venturi, Denise Scott-Brown e Steven Izenour intitulado Learning from Las Vegas. Quando se relê esse livro junto com outros textos que Venturi escreveu entre os anos 60 e os dias de hoje, fica patente o quanto as estratégias e soluções de Venturi estão próximas da sensibilidade pop daqueles anos. Com freqüência, os autores de Learning from Las Vegas se inspiram na ruptura da arte pop com os austeros cânones da pintura do alto modernismo e na apropriação acrítica do vernáculo comercial da cultura de consumo pela arte pop. A paisagem de Las Vegas foi para Venturi e seu grupo o mesmo que a Madison Avenue foi para Andy Warhol, ou o que as histórias em quadrinhos e os filmes de faroeste foram para Leslie Fiedler. A retórica de Learning from Las Vegas é baseada na glorificação dos painéis luminosos e do mau gosto da cultura dos cassinos. Nas irônicas palavras de Kenneth Frampton, o livro propõe uma leitura de Las Vegas como ‘uma autêntica explosão de fantasia popular'. Atualmente, acho que seria gratuito ridicularizar estas singulares noções de populismo cultural. Embora haja algo patentemente absurdo nestas propostas, devemos reconhecer a força que elas reuniram para derrubar os reificados dogmas do modernismo e reabrir um conjunto de questões que o evangelho modernista dos anos 40 e 50 havia posto de lado: as questões do ornamento e da metáfora na arquitetura, da figuração e do realismo na pintura, da história e da representação no cinema, do corpo na música e no teatro. A arte pop, em seu sentido mais amplo, foi o contexto em que primeiro ganhou forma uma noção do pós-moderno, e, desde seu início, as tendências mais significativas do pós-modernismo têm desafiado a constante hostilidade do modernismo para com a cultura de massas."
HUYSSEN, Andreas. Mapeando o pós-moderno. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de (Org.). Pós-modernismo e política. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1992. p. 15-80, grifos do autor.
"A Equipe Venturi exclui todo um repertório de códigos: não apenas os 'patos', mas também a arquitetura ‘Heróica & Original', o grande gesto, a retomada do palazzo pubblico e todas as obras que eles entendem como oposição aos seus galpões decorados. Por quê? Porque eles ainda mantêm uma noção modernista do Zeitgeist, que para eles ‘não é o ambiente para a comunicação heroica via arquitetura pura. Cada mídia tem seu dia'; o nosso dia, como já se ouviu de [Marshall] McLuhan, é o do simbolismo via meios eletrônicos - a 'arquitetura eletrográfica' de Tom Wolfe. É curioso notar as posições simetricamente opostas da Equipe Venturi e de Philip Johnson. Ambos adotam posicionamentos a priori sobre a ‘forma pura' - um anti, outro pró - como se esses pontos de vista unilaterais de comunicação fossem adequados. Uma vez que o pós-modernismo é radicalmente inclusivo (como a arquitetura renascentista), ele deve condenar a simplificação de ambos os polemistas e atacar as suas causas. [...]
A Equipe Venturi respondeu de forma decisiva a vários códigos que até então permaneciam negligenciados pelos arquitetos - aqueles das classes médias mais baixas e do comércio da Rota 66. Suas edificações propostas, no entanto, têm sido favoráveis a um gosto cultural diferente - professores, faculdade ou ‘clientes com bom gosto' - criando assim uma espécie de soluço entre teoria e prática."
JENCKS, Charles. The language of post-modern architecture. 4. ed. Nova York: Rizzoli, 1984, grifos do autor. Trad. livre: Leandro Cruz.
"Da estética da aparição de uma imagem estável, presente por sua própria estática, à estética do desaparecimento de uma imagem instável, presente por sua fuga (cinemática ou cinematográfica), assistimos a uma transmutação das representações. À emergência de formas e volumes destinados a persistir na duração de seu suporte material, sucederam-se imagens cuja única duração é a da persistência retiniana. Finalmente, bem mais do que a Las Vegas de Venturi, Hollywood merecia uma tese de urbanismo, já que se tornou, depois das cidades-teatro da Antigüidade e da Renascença italiana, a primeira CINECITTA, a cidade do cinema-vivo onde fundiram-se, até o delírio, o cenário e a realidade, os planos de cadastro e os planos-seqüência, os vivos e os mortos-vivos. Aqui, mais do que em qualquer outra parte, as tecnologias avançadas convergiram para moldar um espaço-tempo sintético. Babilônia da desrealização fílmica, Holywwod foi construída bairro por bairro, avenida por avenida, sob o crepúsculo das aparências, o sucesso de procedimentos ilusionistas, o impulso de produções espetaculares como as de D. W. Griffith, em um prenúncio da urbanização megalômana da Disneylândia, Disneyworld e EPCOT-CENTER.
Hoje, quando Francis Ford Coppola realiza "O Fundo do Coração" (One From the Heart) incrustando seus atores, através de um processo eletrônico, nos planos de uma Las Vegas em tamanho natural reconstruída no estúdios [sic] da Zoetrope Company, em Hollywood, simplesmente porque não queria que suas filmagens se adaptassem à cidade real, mas sim que esta se adaptasse às suas filmagens, ele ultrapassa em muito Venturi, ao demonstrar menos a ambigüidade arquitetural contemporânea do que a característica ‘espectral' da cidade e de seus habitantes."
VIRILIO, Paul. A cidade superexposta. In: VIRILIO, Paul. O espaço crítico e as perspectivas do tempo real. Rio de Janeiro: 34, 1993. p. 7-21, grifos do autor.
"No tocante à arquitetura, por exemplo, Charles Jencks data o final simbólico do modernismo e a passagem para o pós-modernismo de 15h32m de 15 de julho de 1972, quando o projeto de desenvolvimento da habitação Pruitt-Igoe, de St Louis (uma versão premiada da ‘máquina para a vida moderna' de Le Corbusier), foi dinamitado como um ambiente inabitável para as pessoas de baixa renda que abrigava. Doravante, as idéias do CIAM, de Le Corbusier e de outros apóstolos do ‘alto modernismo' cederam cada vez mais espaço à irrupção de diversas possibilidades, dentre as quais as apresentadas pelo influente Learning from Las Vegas, de Venturi, Scott Brown e Izenour (também publicado em 1972) mostraram ser apenas uma das fortes lâminas cortantes. O centro dessa obra, como diz o seu título, era insistir que os arquitetos tinham mais a aprender com o estudo de paisagens populares e comerciais (como as dos subúrbios e locais de concentração de comércio) do que com a busca de ideais abstratos, teóricos e doutrinários. Era hora, diziam os autores, de construir para as pessoas, e não para o Homem. [...]"
"Venturi et al. [em Aprendendo com Las Vegas] recomenda que aprendamos nossa estética arquitetônica nos arredores de Las Vegas ou com os subúrbios tão mal-afamados como Levittown, apenas porque as pessoas evidentemente gostam desses ambientes. ‘Não temos de concordar com a política operária', afirmam, ‘para defender os direitos da classe média média à sua própria estética arquitetônica, e descobrimos que a estética do tipo Levittown é compartilhada pela maioria dos membros da classe média média, branca e negra, liberal e conservadora.' Nada há de errado, insistem eles, em dar às pessoas o que elas querem, e o próprio Venturi foi citado no New York Times (22 de outubro de 1972), numa matéria apropriadamente intitulada ‘Mickey Mouse ensina os arquitetos', dizendo ‘Disneyworld está mais próxima do que as pessoas querem do que aquilo que os arquitetos já lhes deram'. A Disneylândia, assevera ele, é ‘a utopia americana simbólica'."
HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 17. ed. São Paulo: Loyola, 2008, grifos do autor.
"É bastante lógico, então, que o pós-modernismo em arquitetura se apresente como uma espécie de populismo estético, como sugere o próprio título do influente manifesto de Venturi, Aprendendo com Las Vegas. Por mais que se queira reavaliar essa retórica populista, ela teve, pelo menos, o mérito de dirigir nossa atenção para uma característica fundamental de todos os pós-modernismos enumerados acima, a saber, o apagamento da antiga (característica do alto modernismo) fronteira entre a alta cultura e a assim chamada cultura de massa ou comercial, e o aparecimento de novos tipos de texto impregnados das formas, categorias e conteúdos da mesma indústria cultural que tinha sido denunciada com tanta veemência por todos os ideólogos do moderno, de Leavis ao New Criticism americano até Adorno e a Escola de Frankfurt. De fato, os pós-modernismos têm revelado um enorme fascínio justamente por essa paisagem ‘degradada' do brega e do kitsch, dos seriados de TV e da cultura do Reader's Digest, dos anúncios e dos motéis, dos late shows e dos filmes B hollywoodianos, da assim chamada paraliteratura - com seus bolsilivros de aeroporto e suas subcategorias do romanesco e do gótico, da biografia popular, histórias de mistério e assassinatos, ficção científica e romances de fantasia: todos esses materiais não são mais apenas ‘citados', como o poderiam fazer um Joyce ou um Mahler, mas são incorporados à sua própria substância."
JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2000, grifos do autor.
"Foi fascinante para nós revisitar Las Vegas um quarto de século depois de nossas viagens originais para pesquisar a Strip. A comparação da Las Vegas de 1994, com a cidade que quinze estudantes de Yale, Steve Izenour e nós encontramos em 1968 e documentamos em Aprendendo com Las Vegas em 1972 demonstra uma evolução vigorosa e significativa, urbana e arquitetônica - talvez comparável a um retorno a Florença um século depois do Quatrocentos?"
"Embora seja difícil que os arquitetos acreditem, esse estudos emanou também do movimento de planejamento social dos anos 60 e das advertências aos arquitetos feitas por Gans, Jane Jacobs e outros para que fossem mais abertos aos valores diferentes dos seus próprios e menos apressados em aplicar normas pessoais a problemas sociais - fazer parte, como costumávamos dizer, da solução, e não do problema. As pessoas manifestavam seu desacordo indo a Las Vegas; os arquitetos, sugeriam os planejadores sociais, deveriam suspender o desdém pelo ambiente visual da cidade até, pelo menos, entender por que as pessoas gostavam daquilo. Nosso estudo fazia parte de uma tentativa mais ampla de descobrir modos de colocar nossos talentos arquitetônicos a serviço de nossos ideais sociais."
"A Strip assistiu a uma redução considerável em quantidade e tamanho de seus luminosos e uma evolução paralela da signografia para a cenografia, ou do galpão decorado para pato."
VENTURI, Robert; SCOTT BROWN, Denise. Posfácio: Las Vegas depois de sua época clássica. In: VENTURI, Robert; SCOTT BROWN, Denise; IZENOUR, Steven. Aprendendo com Las Vegas: o simbolismo (esquecido) da forma arquitetônica. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 206-212.
"Os escritos e projetos arquitetônicos de Venturi formam uma marcante referência no processo de desmontagem do pensamento hegemônico do Movimento da Arquitetura Moderna. Aprendendo com Las Vegas complementa e ultrapassa as questões antes levantadas em Complexidade e Contradição na [sic] Arquitetura [...]. Entretanto vale salientar que Venturi, mesmo tendo aderido a uma concepção mais complexa e pluralista de arquitetura, aceitando a coexistência de elementos heterogêneos, justapostos, sobrepostos, híbridos, ambíguos, de duplo significado e de dupla função, não consegue desvencilhar-se da visão dualista que permeia a formação discursiva da arquitetura moderna."
"Hoje, entendemos com mais clareza a mensagem contida em Aprendendo com Las Vegas, principalmente quando defrontamos a arquitetura com o universo da especulação imobiliária e a produção de imagens e símbolos a ele relacionada, universo explicitado pelo status que a divisão social do espaço urbano (como lugar) propicia. Esta relação é competentemente explorada nos sugestivos e sedutores apelos à imagem e a símbolos que ilustram os cadernos imobiliários dos nossos jornais, elementos bem mais importantes, no sentido mercadológico, que a própria arquitetura: a imagem substitui a arquitetura, subordinando-a, no mínimo, aos pressupostos das trocas simbólicas.
Transcorridas cerca de duas décadas da publicação do livro, o que continuaremos a aprender com Las Vegas? Se, na época, o menos é mais de Mies era contestado por Venturi, hoje, o less is a bore diz pouco. Provavelmente estamos vivendo tempos do mais e mais, e, e, e, e..., ou seja, uma pluralidade de entendimentos, em princípio, infindáveis, dependendo do enfoque e dos aspectos específicos que queiramos abordar."
MAGNAVITA, Pasqualino. (Re)Aprendendo com Las Vegas: uma metástase urbana do entretenimento. RUA, Salvador, n. 6, p. 22-29, 1996, grifos do autor. Disponível em <http://www.portalseer.ufba.br/>. Acesso em: 26 nov. 2012.
"Com sua defesa da cultura consumista, Denise Scott Brown (uma dos herdeiros ambivalentes dos Smithsons) e Robert Venturi rompem de maneira ainda mais decisiva com o dogma modernista. Em suas publicações, exposições e atividades de ensino na década de 1970 (com destaque para Aprendendo com Las Vegas e para a exposição Signs of Life na Smithsonian Institution), eles fazem alusão a um mundo negligenciado tanto pela arquitetura moderna quanto pela paisagem heterotópica de Foucault: a rede de supermercados A & P, Levittown, casas móveis, restaurantes fast-food - o ambiente de pessoas comuns de classe média e baixa [...]. Aprendendo com La Vegas apresenta, de fato, uma overdose de motéis de lua-de-mel e cassinos, mas, em contraste com os espaços heterotópicos de Foucault ou com os exemplos do estranhamente familiar de Anthony Vidler, esta paisagem não é privilegiada pela sua diferença ou estranheza, ela é entendida como parte do continuum da existência cotidiana. Assim como o Independent Group, Scott Brown e Venturi garantem ao mundo das mulheres, crianças e idosos - a cultura doméstica - um lugar na cultura estética. [...]"
McLEOD, Mary. Everyday and "Other" Spaces. In: COLEMAN, Debra; DANZE, Elisabeth; HENDERSON, Carol (Ed.). Architecture and feminism. Nova York: Princeton Architectural Press, 1996. p. 1-37, grifos da autora. Trad. livre: Leandro Cruz.
"O livro de Robert Venturi, Complexidade e contradição em arquitetura, publicado pelo Museu de Arte Moderna de Nova York e traduzido para dezesseis idiomas, preconiza a importância de levar em conta e aplicar a história da arquitetura no projeto contemporâneo [...]. Essencialmente um manifesto em prol do ecletismo historicista, o livro privilegia o primeiro termo, antimoderno, das oposições binárias, híbrido/puro, distorcido/simplificado, ambíguo/claro. Venturi trata da comunicação de significados em distintos níveis e se vale de associações comuns com a história da arquitetura. De modo semelhante, Aprendendo com Las Vegas (1972), acentua o valor do dado comum, da cultura simplória da Strip, ou corredor comercial às margens das auto-estradas [...]. A teoria inclusiva do ‘tanto.. como' (both/and), formulada em Complexidade e contradição, reconhece funções explícitas e implícitas, literais e simbólicas, e admite múltiplas interpretações. Ao afirmar sua preferência pela ‘difícil ordem de inclusão' (com todas as tensões que dela resultam), Venturi demonstra a influência de diversos paradigmas de pensamento: a semiologia, a psicologia da Gestalt e a teoria literária de William Empson, em Seven Types of Ambiguity. [...] Um arquiteto que celebra no meio ambiente o ‘feio e ordinário' é certamente revolucionário, mas a mudança será para melhor? Estará contida nesta celebração a posição populista que ele alega representar?"
NESBITT, Kate (Org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica 1965-1995. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2008, grifos da autora.
"RK: Recentemente andamos comparando a Las Vegas de 1972 com a de agora, em 2000, como uma resposta aos métodos e à conclusão de seu livro. Quando se observa a grande mudança da cidade, entre estas duas datas - não apenas em termos de área, mas também em outras categorias como população, taxa de nascimento, casamentos, renda pessoal, leitos de hotéis etc. - o desenvolvimento é inacreditável: o arquétipo de irrealidade - a cidade-como-miragem que vocês descreveram em Aprendendo com Las Vegas - tornou-se, através de pura massa, uma cidade real. Las Vegas parece ser uma das poucas cidades que se tornaram duas vezes paradigmáticas em trinta anos: de uma cidade no limiar de tornar-se virtual em 1972 para uma condição quase irrevogavelmente substancial em 2000.
Denise Scott Brown: Três vezes se você começar com o deserto e considerar, digamos, quarenta anos. A maioria das cidades mudam seus paradigmas - muitas cidades europeias começaram como acampamentos romanos, depois se tornaram vilas medievais e, eventualmente, cidades modernas.
RV: Sim, mas isso é ao longo de séculos, e não no curso de décadas. [Mas] quando estávamos interessados em Las Vegas, há vinte e cinco anos, quando ela representava o esparrame iconográfico, o nosso interesse era claramente ousado. É difícil de acreditar nisso hoje em dia porque Las Vegas se tornou cenográfica, como a Disneylândia.
RK: Mas este interesse não continua ousado? Um dos paradoxos de Las Vegas é que, apesar dos seus trinta anos, ela ainda não é levada a sério.
HUO: Levar Las Vegas a sério ainda é um tabu?
DSB: Os críticos parecem levar a Las Vegas de hoje mais a sério do que eles faziam com a Las Vegas dos anos 1960."
SCOT BROWN, Denise; VENTURI, Robert; OBRIST, Hans Ulrich; KOOLHAAS, Rem. Re-Learning from Las Vegas. In: CHUNG, Chuihua Judy et al. (Ed.).The Harvard Design School Guide to Shopping. Köln: Taschen, 2001. p. 590-617, grifos dos autores. Col. Project on the City, v. 2. Trad. livre: Leandro Cruz.
"Rauterberg Vocês estão aprendendo com algum artista da atualidade?
Venturi Jenny Holzer, talvez. Embora sua obra pareça um pouco correta demais para mim, elas não têm nada daquela vulgaridade bela e vital da arte comercial. Pura demais para nós; nós somos pelo impuro.
Scott Brown Foi por isso que partimos para Las Vegas nos anos 1960, para descobrir que modelos a arquitetura seguira por lá, como ela operava, como estava sendo usada. Os prédios de Las Vegas não se enveredam em questões de arte, não sonhavam com um mundo melhor; eles estavam totalmente comprometidos com a realidade e suas leis. Não fomos a Las Vegas para nos submeter à sua arquitetura, mas para tentar compreendê-la - para aprender como ela interpreta os anseios das pessoas e encontra uma resposta arquitetônica para esses anseios.
Venturi Sim, esse foi um motivo. O outro foi que a partir de nossa viagem para Las Vegas queríamos nos emancipar dos dogmas do Modernismo."
VENTURI, Robert; SCOTT BROWN, Denise; RAUTERBERG, Hanno. We're for the impure: Robert Venturi and Denise Scott Brown talk with Hanno Rauterberg. Hunch, Rotterdam, n. 6/7, 2003. Trad. livre: Leandro Cruz. [Entrevista publicada originalmente no jornal alemão Die Zeit, em 17 out. 2002]
"O elogio que Venturi, Scott Brown e Izenour fazem de Las Vegas, da strip, ou do ‘galpão decorado', não é fruto somente da vontade de polemizar. Recusam-se a admitir que seja preciso continuar projetando ‘patos mortos' em prol de um heroísmo e de uma originalidade que só servem para inflar a vaidade dos arquitetos. Venturi, a partir de uma posição ética que o leva a identificar-se, como dissemos, com a ‘maioria silenciosa', prefere o fio e o banal. Ali está a autêntica vida e, paradoxalmente, também a arquitetura."
MONEO, Rafael. Inquietação teórica e estratégia projetual na obra de oito arquitetos contemporâneos. São Paulo: Cosac Naify, 2008, grifo do autor.
"Uma consequência perniciosa ao interpretar Aprendendo com Las Vegas simplesmente como um texto pós-moderno é sua exposição a um determinado tipo de crítica adorniana. [...] Em essência, essas avaliações de Aprendendo com Las Vegas pontuam que o livro exemplifica uma tolerância irônica e uma aceitação passiva ou, ainda, uma aceitação declarada da indústria cultural. Este tipo de crítica surgiu quase imediatamente à publicação do livro e continua a ser o modo dominante de crítica a ele até hoje. [...]
Uma adesão estrita à interpretação baseada na teoria crítica obscurece a crítica sutil e aversiva que Aprendendo com Las Vegas demonstra, e que pode facilmente ser mal interpretada como conivência acrítica com a indústria cultural. [...] Em outras palavras, o livro é muito mais carregado do ponto de vista crítico e ético do que se avaliou num primeiro momento. [...]"
VINEGAR, Aron. I am a monument: on Learning from Las Vegas. Cambridge: The MIT Press, 2008, grifos do autor. Trad. livre: Leandro Cruz.