1961
Estados Unidos
PublicaçãoIdiomas disponíveis
Português
Marcadores
Movimentos Sociais Urbanos, Planejamento Urbano
Colaborador
Eduardo Rocha/ Diego Mauro/ Ícaro Vilaça
Citado por: 1
Jane Jacobs, 1961:
Ao apresentar princípios diferentes, escreverei principalmente sobre coisas comuns e cotidianas, como, por exemplo, que tipo de ruas são seguras e quais não são; por que certos parques são maravilhosos e outros são armadilhas que levam ao vício e à morte; por que certos cortiços continuam sendo cortiços e outros se recuperam mesmo diante de empecilhos financeiros e governamentais; o que faz o centro urbano deslocar-se; o que é - se é que existe - um bairro, e que função - se é que há alguma - desempenham os bairros nas grandes cidades. Resumindo, escreverei sobre o funcionamento das cidades na prática, porque essa é a única maneira de saber que princípios de planejamento e que iniciativas de reurbanização conseguem promover a vitalidade socioeconômica nas cidades e quais práticas e princípios a inviabilizam.
[...]
As cidades são um imenso laboratório de tentativa e erro, fracasso e sucesso, em termos de construção e desenho urbano. É nesse laboratório que o planejamento urbano deveria aprender, elaborar e testar suas teorias. Ao contrário, os especialistas e os professores dessa disciplina (se é que ela pode ser assim chamada) têm ignorado o estudo do sucesso e do fracasso na vida real, não têm tido curiosidade a respeito das razões do sucesso inesperado e pautam-se por princípios derivados do comportamento e da aparência de cidades, subúrbios, sanatórios de tuberculose, feiras e cidades imaginárias perfeitas - qualquer coisa que não as cidades reais.
[...]
Assim, neste livro deveremos começar a aventurar-nos nós mesmos no mundo real, ainda que modestamente. A maneira de decifrar o que ocorre no comportamento aparentemente misterioso e indomável das cidades é, em minha opinião, observar mais de perto, com o mínimo de expectativa possível, as cenas e os acontecimentos mais comuns, tentar entender o que significam e ver se surgem explicações entre eles. É isso o que procuro fazer na primeira parte deste livro.
Um dos princípios mostra-se tão onipresente, e em formas tão variadas e tão complexas, que volto minha atenção para sua natureza na segunda parte deste livro, a qual constitui o cerne da minha argumentação. Esse princípio onipresente é a necessidade que as cidades têm de uma diversidade de usos mais complexa e densa, que propicie entre eles uma sustentação mútua e constante, tanto econômica quanto social. Os componentes dessa diversidade podem diferir muito, mas devem complementar-se concretamente.
Acho que as zonas urbanas malsucedidas são as que carecem desse tipo de sustentação mútua complexa e que a ciência do planejamento urbano e a arte do desenho urbano, na vida real e em cidades reais, devem tornar-se a ciência e a arte de catalisar e nutrir essas relações funcionais densas. Pelas evidências de que disponho, concluo que existem quatro condições primordiais para gerar diversidade nas grandes cidades e que o planejamento urbano, por meio da indução deliberada dessas quatro condições, pode estimular a vitalidade urbana (coisa que os planos dos urbanistas e os desenhos dos projetistas em si nunca conseguirão). Enquanto a Parte 1 enfoca principalmente o comportamento social da população urbana e é imprescindível para compreender as seguintes, a Parte 2 aborda principalmente o desempenho econômico das cidades e é a mais importante deste livro.
As cidades são locais fantasticamente dinâmicos, o que se aplica inteiramente a suas zonas prósperas, que propiciam solo fértil para os planos de milhares de pessoas. Na terceira parte do livro, examino alguns aspectos da decadência e da revitalização, a luz de como as cidades são usadas e como elas e sua população se comportam, na vida real.
A última parte deste livro sugere mudanças nas práticas de habitação, trânsito, projeto, planejamento e administração, e discute, por fim, o tipo de problema que as cidades apresentam - um problema de manejar a complexidade ordenada."
Françoise Choay, 1965:
Jane Jacobs é uma partidária convencida do modo de existência autenticamente urbano, uma apologista da megalópolis, em detrimento dos subúrbios e das cidadezinhas provincianas. Suas pesquisas, embora realizadas com espírito passional, repousam em uma informação sociológica profunda. As idéias contidas em The Death and Live of Great American Cities contribuíram, nos Estados Unidos, para a criação de uma nova corrente pró-urbana e ispiraram, em parte, o remodelamento do centro de grandes cidades como Boston e Filadélfia.
Marshall Berman, 1982:
“Se existe uma obra que expressa com perfeição o modernismo das ruas nos anos 60, trata-se do notável livro de Jane Jacobs, Morte e Vida das Grandes Cidades Norte-americanas. O trabalho de Jacobs tem sido com frequência apreciado por seu papel na transformação das orientações gerais do planejamento urbano e comunitário. Isso é verdadeiro e não deixa de ser admirável, mas sugere apenas uma pequena parte daquilo que o livro contém [...] Creio que seu livro cumpriu um papel crucial no desenvolvimento do modernismo; sua mensagem era que muito do significado que os homens e as mulheres modernos buscavam desesperados encontrava-se, de fato, surpreendentemente próximo de suas casas, perto da superfície e nas imediações de suas vidas: estava bem ali, bastando que soubéssemos procurar. [...]
O ponto salientado por Jacobs é que o assim denominado movimento moderno inspirou uma “renovação urbana” de bilhões de dólares, cujo resultado paradoxal foi a destruição do único tipo de ambiente no qual os valores modernos podem ser realizados. O corolário prático disso tudo (que à primeira vista pode parecer paradoxal, mas na verdade faz pleno sentido) é que na nossa vida urbana, em benefício do moderno, precisamos preservar o velho e resistir ao novo. Com tal dialética, o modernismo assume uma nova complexidade e profundidade. [...]
Há na obra de Jacobs um outro tema profético crucial, que ninguém parece ter notado na época. Morte e Vida das Grandes Cidades Norte-americanas oferece-nos a primeira visão plenamente articulada de uma mulher sobre a cidade, desde Jane Addams. [...] Ela conhece seu bairro com tal precisão de detalhes, vinte e quatro horas por dia, porque esteve aí o dia todo, em formas que a maioria das mulheres vivencia cotidianamente, sobretudo quando se tornam mães, mas que os homens dificilmente experimentam, a menos que estejam cronicamente desempregados. Conhece todos os comerciantes e as vastas redes sociais informais que eles mantêm, porque era sua respondabilidade tomar conta dos assuntos domésticos. Retrata a ecologia e a fenomenologia das calçacas com fidelidade e sensibilidade incomuns, porque passou anos pilotando crianças (primeiro em carrinhos e cadeirinhas de bebê, depois em patins e bicicletas) através dessas águas turbulentas, enquanto procurava equilibrar pesadas sacolas de compras, trocar palavras com os vizinhos e cuidar da própria vida. Grande parte da sua autoridade intelectual emana de seu perfeito domínio das estruturas e processos da vida cotidiana. Ela faz seus leitores sentirem que as mulheres sabem o que é viver nas cidades, rua após rua, dia após dia, de modo muito melhor do que os homens que as planejaram e construíram. [...]
A ação e o pensamento de Jacobs anunciaram uma grande onda de ativismo comunitário, e uma grande irrupção de ativistas, em todas as dimensões da vida política. Tais ativistas eram com frequência esposas e mães, como Jacobs, e assimilaram a linguagem – exaltação da família e do bairro e sua defesa contra as forças externas que esmagariam nossas vidas – que ela tanto fez para criar. [...]
A rua e a família de Jacobs constituem microcosmos de toda a plenitude e diversidade do mundo moderno em seu conjunto. Mas para algumas pessoas que de início parecem falar a sua linguagem, a família e a localidade revelam-se como símbolos de radical antimodernismo: em benefício da integridade do bairro, todas as minorias raciais, os desvios sexuais e ideológicos, os livros e filmes controversos, as formas de vestir ou as expressões musicais minoritárias devem ser mantidas a distância; em nome da família, a liberdade econômica, sexual e política da mulher deve ser esmagada – ela deve ser mantida em seu lugar no quarteirão, literalmente vinte e quatro horas por dia. Essa é a ideologia da Nova Direita, um movimento internamente contraditório mas enormemente poderoso, tão antigo quanto a própria modernidade, que utiliza todas as técnicas modernas de publicidade e de mobilização de massas com o propósito de voltar as pessoas contra os modernos ideais de vida, liberdade e busca de felicidade para todos.
O que é fundamental e inquietante é saber que os ideólogos da Nova Direita citaram Jacobs repetidas vezes como um de seus santos padroeiros. [...]
Há outra ordem de dificuldade na perspectiva de Jacobs. Algumas vezes seu ponto de vista parece positivamente bucólico: ela insiste, por exemplo, em que num bairro vibrante, com uma mistura de lojas e residências, constante atividade nas calçadas, fácil vigilância das ruas a partir dos interiores das casas e das lojas, não haveria crime. Conforme lemos tais considerações, imaginamos em que planeta Jacobs pode estar pensando. Se retornamos um pouco ceticamente à sua visão do quarteirão, podemos encontrar o problema. [...] não há negros em seu quarteirão. É isso o que faz parecer bucólica a sua visão do bairro: é a cidade antes da chegada dos negros. Seu mundo abrange desde sólidos trabalhadores brancos, na base, a profissionais liberais brancos de classe média, no topo. [...]
Ermínia Maricato, 2001:
“O livro constitui uma defesa da diversidade ao longo de suas mais de 500 páginas. Ela é antídoto para grande parte dos males urbanos que ocorrem com o uso monofuncional. Diversidade de usos, de nível sócio econômico da população, de tipologia das edificações, de raças, etc. (Nesse sentido, a segregação é uma contradição com o bem estar). Mais importante do que a polícia, para garantir a segurança de determinada rua, bairro ou distrito, por exemplo, é o trânsito ininterrupto de usuários, além da existência do que a autora chama de 'proprietários naturais da rua'. Donos de padarias, mercearias, lojas, pequenos serviços, são os muitos 'olhos atentos' , mais eficazes do que a iluminação pública. Trata-se da 'figura pública autonomeada', a quem os moradores podem recorrer para deixar um recado, uma chave, uma encomenda. A vida pública informal impulsiona a vida pública formal e associativa. Algumas pessoas acumulam relações e conhecimento, elas são únicas. A autogestão democrática é que garante o sucesso dos bairros e distritos que apresentam maior vitalidade e segurança. Isso significa a permanência de pessoas que forjaram uma rede de relações: 'Essas redes são o capital social urbano insubstituível'.
O tempo é um fator importante na formação dessas redes. Projetos que implicam em remoção da população, como prefere o urbanismo ortodoxo, podem estar destruindo exatamente o fator de maior potencialidade de recuperação de uma área de cortiços. A autora se coloca francamente contra os projetos que implicam em ações cirúrgicas de remoção e demolição (para a implantação de um monótono conjunto habitacional também chamado de 'cortiço emparedado') valorizando revitalizações paulatinas e progressivas que considerem o envolvimento dos moradores e sua manutenção no local, e promovam a reciclagem dos edifícios.
O espaço fundamental onde essa diversidade e intensidade de usos ocorre é nas ruas e calçadas. A partir dos contatos nas ruas é que pode 'florescer a vida pública exuberante na cidade'. As calçadas (que devem ser largas) podem ser mais importantes do que parques para as atividades das crianças, pois 'espaços e equipamentos não cuidam de crianças'. O urbanismo ortodoxo atribui às áreas livres uma importância exagerada além de ser inimigo da rua. O grande número de áreas livres previstas nos conjuntos habitacionais não se prestam aos encontros, mas ao contrário, freqüentemente à violência. O paisagismo não garante o uso de uma área livre mas sim a sua vizinhança e esta está condicionada à diversidade e intensidade de usos. 'Porque é tão freqüente não haver ninguém onde há parques e nenhum parque onde há gente?' [...]
As propostas [contidas na terceira parte do livro] não logram ser tão importantes e consistentes quanto as críticas que são desenvolvidas na primeira parte do livro, embora contenham algumas sugestões interessantes. Além desse, cabem ainda, rapidamente, dois reparos a essa obra que já se tornou clássica. O primeiro é que ela ignora as críticas ao urbanismo funcionalista feita por outros autores (arquitetos/urbanistas militantes, liderados pelo grupo inglês Team X) que se envolveram em debates no interior dos CIAMs – Congresso Internacional de Arquitetura Moderna - após a segunda guerra mundial. O segundo CIAM, ocorrido em 1933, lançou a proposta da 'Cidade Funcional' fixando os princípios do urbanismo funcionalista que seria registrado na 'Carta de Atenas'. Nos CIAMs que se seguiram, entre 1947 a 1953, a crítica à esterilidade abstrata da 'cidade funcional' teve início e amadureceu a ponto de ocorrer uma cisão no IX CIAM, quando as quatro categorias funcionalistas da 'Carta de Atenas' foram duramente criticadas. Mesmo sem pretender fazer um trabalho acadêmico, seria de se esperar que Jane Jacobs acompanhasse e mencionasse a polêmica internacional que envolvia os urbanistas, muitos dos quais tinham um ponto de vista semelhante ao seu.
Josep Maria Montaner, 2007:
“A jornalista, sociológa e economista estadunidense Jane Jacobs (1916-2006) interveio no campo da crítica arquitetônica e urbana a partir de 1952: seu marido era o arquiteto Robert Hyde Jacobs e, em função de sua amizade com Peter Blake, tornou-se colaboradora e posteriormente chefe de redação da revista Architectural Forum. Seu livro mais importante, e que evidentemente tem uma dívida com as interpretações de Lewis Mumford e com o urbanismo regional, foi Morte e Vida de grandes cidades, publicado em 1961, que se converteu em referência fundamental para a crítica à cidade moderna.
Nesse texto, Jacobs, analisando a qualidade de vida urbana nas grandes cidades estadunidenses, como Nova York, Chicago, Boston e Filadélfia, expõe uma série de críticas ao urbanismo da Carta de Atenas e ao desenvolvimento capitalista da cidade. Os argumentos da autora foram amplamente assumidos pela cultura urbana das décadas de 1960 e 1970. Diante de uma cidade dividida em zonas, totalmente racionalizada e dominada pela especulção urbana e pelo individualismo, Jane Jacobs argumenta, a partir de estudos e enquetes sociológicas, que a qualidade da vida urbana e a vitalidade econômica dependem da superposição de distintas funções urbanas e da disposição de uma intensa rede de interconexões típicas das antigas e densas vizinhanças. Jacobs faz uma apologia da metrópole e defende a vida pública contra a privatização da cidade, sustentando que uma cidade somente é feliz e segura quando em suas ruas domina uma concentração humana suficientemente densa e quando entre seus moradores predominam relações de amizade e cordialidade.”