1988
Brasil, Distrito Federal
Fato RelevanteIdiomas disponíveis
Português
Marcadores
Movimentos Sociais Urbanos
Colaborador
Juliana Ribeiro; Dila Reis e Janaína Lisiak
Capítulo II Da Política Urbana, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988:
Título VII Da Ordem Econômica e Financeira
Capítulo II Da Política Urbana
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
§ 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.
§ 4º É facultado ao poder público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
Texto promulgado em 05 de outubro de 1988
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília, DF: Senado, 1988.
Ermínia Maricato, 1994:
“Talvez possamos atribuir à elaboração e coleta de assinaturas para a emenda constitucional da Reforma Urbana, de iniciativa popular, o momento de sua maior divulgação e repercussão. O Regimento Interno da Constituição previa a possibilidade da apresentação de emenda popular subscrita, por, pelo menos, 30.000 eleitores. Ao todo 6 entidades nacionais e dezenas de entidades regionais e locais assinaram a apresentação da emenda que foi entregue no Congresso Nacional com 160.000 assinaturas de eleitores. São as seguintes as entidades nacionais que uniram esforços em torno da proposta: Federação Nacional dos Engenheiros – FNE; Federação Nacional dos Arquitetos – FNA; Articulação Nacional do Solo Urbano; Coordenação Nacional dos Mutuários; Movimento da Defesa do Favelado – MDF; Instituto de Arquitetos do Brasil - IAB.
O Movimento pela Reforma Urbana surgiu a partir de iniciativas de setores da igreja católica, como a CPT - Comissão Pastoral da Terra, com a intenção de unificar as numerosas lutas urbanas pontuais que emergiram nas grandes cidades, em todo país, a partir de meados dos anos 70.
[...]
Além dos fatores já citados, a excessiva fragmentação de atribuições, e a divisão perversa de competências entre quem pensa e quem implementa e controla o uso e a ocupação do solo, a legislação urbana, frequentemente detalhista e burocrática, ignora a cidade real.
A inadequação da legislação urbanística em relação às cidades cujo desenvolvimento ela pretende normatizar se dá em dois aspectos principais. O primeiro diz respeito ao contraste presente na informalidade do uso e parcelamento do solo, ou nas edificações, e o nível de detalhamento destas.
[...]
O segundo aspecto flagrante de inadequação da legislação diz respeito ao tratamento genérico que é dado às cidades brasileiras, que apresentam ocupação bastante fragmentada e diferenciada na ocupação do solo (como de resto em todo o chamado 3º mundo). Ao mosaico que apresenta num mesmo bairro ou local, a ocorrência de densidades, usos, volumes diferentes a legislação urbanística pretende impor normas homogêneas para toda a cidade, particularmente em relação a parcelamento, recuos ou padrões edifícios.
[...]
Embora indispensáveis, instrumentos jurídicos adequados ou mudanças administrativas são insuficientes para reverter um quadro de miséria social, segregação espacial, predação ao meio ambiente, privatização de parcela do lucro imobiliário e corrupção nas obras públicas e no controle urbanístico. Nenhum instrumento tem a eficácia da participação democrática que encontra um espaço mais propício ao nível do poder municipal e das propostas locais de urbanização específica (favelas, loteamentos irregulares, áreas de conflito fundiário e ambiental, áreas deterioradas de ocupação antiga etc...)
[...]
É evidente que alguns aspectos da Reforma Urbana carecem de estatuto e diretrizes de nível nacional (legislação sobre o direito e a função social da propriedade, o modelo de financiamento habitacional consoante com a política econômica geral, talvez sejam as principais medidas a serem tomadas em nível nacional). Mas é evidente também que há um amplo espaço de conquistas ao nível municipal, que se afirma após a Contituição Federal de 1988, e que será preenchido na medida em que uma proposta de Reforma Urbana se torne hegemônica e seja incorporada ao cotidiano de técnicos e trabalhadores.
“Ao mesmo tempo, em termos institucionais, a política urbana nunca esteve entre as prioridades do Estado brasileiro mesmo na única oportunidade que mereceu uma formulação holística, durante o Regime Militar. Os sucessivos governos nunca tiveram um projeto estratégico para as cidades brasileiras envolvendo, de forma articulada, as intervenções no campo da regulação do solo urbano, da habitação, do saneamento ambiental, e da mobilidade e do transporte público. Sempre de forma fragmentada e subordinada à lógica de favorecimento que caracterizava a relação inter-governamental, as políticas urbanas foram de responsabilidade de diferentes órgãos federais. Tomando como referência a política de habitação, vale a pena registrar que, de 1985 a 2002, a política de habitação foi de responsabilidade de diferentes Ministérios: de 1985 a 1987, do Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente; de 1987 a 1988, do Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente; de 1988 a 1990, do Ministério do Bem Estar Social; de 1990 a 1995, do Ministério da Ação Social; de 1995 a 1999, da Secretaria de Política Urbana, vinculada ao Ministério do Planejamento; de 1999 a 2002, da Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano, vinculada à Presidência da República.
[...]
Na perspectiva da agenda da reforma urbana, a realização das conferências nacionais, bem como a implantação e o funcionamento do Conselho das Cidades deveria criar uma nova dinâmica para a gestão das políticas urbanas, com a participação do poder público e dos movimentos populares, organizações não governamentais, segmentos profissionais e empresariais. Depois de duas conferências realizadas e de mais de dois anos de funcionamento do Conselho das Cidades, podemos realizar um primeiro balanço, indicando os avanços na direção da elaboração de uma política nacional de desenvolvimento urbano para o país.
[...]
De acordo com nossa Constituição Federal a política urbana deve ser, necessariamente, produto resultante de uma cooperação federativa. Mas a questão não é apenas jurídica. O Brasil não tem tradição de pacto federativo e compartilhamento na solução de problemas da esfera pública. Interesses paroquiais se superpõem a interesses gerais. Como explicar que metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro, que são maiores do que a maior parte dos países da América Latina, não tenham um organismo de gestão compartilhada para seus 17 e 10 milhões de habitantes, respectivamente? Quais as conseqüências econômicas, sociais e ambientais da ausência de uma política metropolitana e de acordos intergovernamentais num mesmo território? Qual o custo de tamanha irracionalidade e desarticulação que se escancara na desorganização do transporte coletivo ou no destino do lixo, por exemplo? Como garantir que a ação federal supere o clientelismo das emendas parlamentares para constituir regras, prioridades e diretrizes resultantes de indicadores socioeconômicos e territoriais? E, o que é mais difícil, como garantir uma proposta que seja duradoura e democrática? A construção de uma esfera com participação direta, se não dá conta de todos esses problemas, ainda é a forma mais eficaz de perseguir esses objetivos. Ela pode constituir uma forte resistência à extinção de conquistas alcançadas pelo movimento nacional de reforma urbana ao longo dos últimos anos, em especial daquelas garantidas no governo Lula, e forte alavanca para alcançar metas pactuadas. Trata-se da construção de paradigmas que articulam conhecimento técnico e crítico, fruto da produção acadêmica e profissional, com o conhecimento trazido pelos que vivem e produzem a cidade.”
MARICATO, Ermínia; SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Construindo a Política Urbana: participação democrática e o direito à cidade. Teoria e Debate, n. 66, abr./jun. 2006. Disponível em:[http://www.undp.org/legalempowerment/reports/National%20Consultation%20Reports/Country%20Files/7_Brazil/7_5_Urban_Policy.pdf]. Acesso em: 28/03/2010.