1975
Itália
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Português
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Interesse Social, Participação, Requalificação
Colaborador
Igor Queiroz, Thiago Silva
Citado por: 1
Giancarlo enxergava a arquitetura como processo político. O plano do conjunto habitacional para Vila Matteotti, em Terni (Itália), estabelece relações com o padrão cultural popular através de uma linguagem que dialogue com a expressão arquitetônica local, influenciada pelas referências da tradição italiana.
Contando com a participação de antropólogos, sociólogos e outros profissionais, os habitantes intervieram no processo de diagnóstico e concepção do projeto. Dessa forma, o acesso à arquitetura pôde ser popularizado, utilizando métodos de trabalho interdisciplinares e aprimorando o diagnóstico da situação local.
Ana Cláudia Castilho Barone e Sylvia Adriana Dobry , 2004:
"O arquiteto italiano Giancarlo de Carlo, durante as décadas de 1960 e 1970, foi um dos pioneiros na reflexão sobre a importância da 'Arquitetura Participativa' e na criação de procedimentos de trabalho que incorporassem a participação dos usuários no processo de elaboração de projetos. Suas propostas e a maneira de desenvolver projetos foram passos importantes na definição de procedimentos de trabalho para o projeto participativo, exemplificados no projeto de habitação operária, em Vila Matteotti (1964-1974) ou no estudo para o desenvolvimento urbano de Urbino (1958-1976)."
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Em termos de proposição participativa, a experiência do projeto de Vila Matteotti, em Terni, é um dos projetos mais significativos da obra do arquiteto. Situada a aproximadamente 100 km a noroeste de Roma, Terni tinha cerca de 110.000 habitantes. Vila Matteotti é um vilarejo operário criado em 1934, afastado do tecido urbano e construído com baixo padrão, segregando os trabalhadores em um gueto. Em 1960, quando a cidade já havia se expandido até incorporar a área do bairro, foi feito um plano regulador de Vila Matteotti a fim de produzir uma reestruturação radical que permitisse aumentar sua densidade habitacional. Porém, o risco de ver o bairro submetido a um intenso processo de especulação imobiliária fez com que os moradores resistissem à pressão criada para que eles saíssem de suas residências.
Em 1969, depois de longas discussões entre o conselho da fábrica onde trabalhavam os operários e a prefeitura de Terni, decidiu-se passar o problema da Vila Matteotti a um arquiteto. De Carlo foi convidado a propor uma solução. O arquiteto colocou como condição para o projeto a participação dos moradores ao longo de todo o processo O caminho escolhido por ele foi convidar os próprios moradores para escolher a solução que lhes parecesse mais apropriada. O primeiro passo dado nesse sentido foi a proposição de cinco soluções: uma era manter a estrutura do bairro, reformando as antigas edificações e os serviços coletivos de infraestrutura; a segunda era substituir os edifícios existentes por torres residenciais; a terceira propunha a substituição por edifícios lineares alongados; a quarta e a quinta propostas eram mais complexas, sobrepondo o programa residencial ao dos serviços de uso comum e a caminhos de comunicação de pedestres. Assim, foi aberta a discussão, no sindicato da fábrica, e elegeu-se, apesar do custo mais alto, a solução mais complexa, que observava com mais atenção a questão dos pedestres e as inter-relações espaciais no bairro.
O passo seguinte no processo participativo foi apresentar aos moradores diversos projetos residenciais, de vários países e não necessariamente de baixo custo, a fim de ampliar o repertório de discussão e proporcionar interfaces com o problema econômico da construção, a questão política das divergências de opinião, etc. Essa passagem é amplamente defendida por de Carlo, que entendia o projeto participativo como um veículo de educação e cultura.
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As tipologias foram definidas juntamente com a população, com o fim de permitir a satisfação das diferentes necessidades de cada família e de criar a diversidade dentro do bairro. Foram desenvolvidas 15 tipologias diferentes, modulares, organizadas de maneira a criar espaços distintos através da combinação de vários tipos de residências, reunindo também diferentes tipos de usuários na mesma vizinhança.
Nos anos 60, a discussão da tipologia levantada por muitos arquitetos era pertinente para ajudar na definição de novos parâmetros arquitetônicos. A orientação que de Carlo deu ao debate sobre a tipologia foi no sentido de criar a diferença. Nas suas palavras: "se considerarmos a casa da corrente de produção edificada contemporânea, parece claro que os diversos tipos são repetitivos e sobretudo indiferentes às situações ambientais culturais e sociais. Adições de residências tipo dão lugar a edifícios residenciais tipo, também repetitivos e indiferentes. E como os habitantes são diferentes, os ambientes geográficos são diferentes, as situações sociais e culturais são diferentes, é claro que alguma coisa não funciona."
Giancarlo de Carlo, 2002:
"Quando fui a Terni pela primeira vez, levei cinco projetos de casas, não de casas populares, mas de casas na escala humana, contemporâneas, de arquitetos de vários países.
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Quando mostrei os projetos, a reação dos operários foi: "Isso não são casas para nós, são coisas caras!"; e eu disse: "deixemos o dinheiro de lado; vocês querem viver bem ou não?" Pois este é o ponto: não podemos escolher a arquitetura pelo que custa, mas pelas necessidades humanas. E então mudaram rapidamente de pensamento.
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Devo dizer, porém, que a reação imediata das pessoas é de desconfiança, pois o arquiteto pertence a uma classe social mais alta que a deles e então não confiam nele. Precisa muito tempo para conquistar a sua confiança, para poder discutir.
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Depois, quando se passa esta fase, se começa a falar de verdade das coisas que precisam, como vêem as coisas. É uma grande lição. O seu modo de falar da janela é diferente do nosso. Para nós arquitetos, a janela é uma questão técnica e estética. Para eles, é uma questão de vida: a luz, o vento, a chuva que entra e precisa enxugar, se tornam todo um outro modo de ver as coisas, muito formativo para um arquiteto. Foi um grande sucesso, ficaram contentíssimos. As coisas mais fenomenais ali são os jardins que fizeram nos terraços. No princípio, eu discordava um pouco, mas depois entendi que era o seu modo de representar-se. Inicialmente pequenos jardins, agora tem alguns preocupantes, com plantas grandes, mas isso foi um grande sucesso.
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Quando a direção da fábrica me pediu que fizesse o projeto, eu disse que sim, mas com participação. Depois, quando viram que a participação é coisa séria, ficaram irritados. Na ocasião, os operários ficaram sabendo de uma mudança nos postos de trabalho da fábrica e quando pediram para conversar com a direção, a resposta foi que o assunto não cabia aos operários. "Mas como? Participamos para o projeto das casas, temos que participar também dos postos de trabalho, é a mesma coisa!" Havia nascido à idéia de que participavam de tudo, o que era um grande sucesso para mim, por haver reportado esta convicção, e um grande medo para a direção da fábrica."
Ana Cláudia Barone, 2002:
"Para De Carlo, a arquitetura interessava como processo social, como a possibilidade de transformação, de ação política. Nesse sentido, há uma continuidade de interesse com uma das principais conquistas do movimento moderno: a sua inserção no campo social e a possibilidade de intervenção na dinâmica social através da prática de projeto. Arquitetura era um projeto social."
Ana Cláudia Barone, 2002:
"A arquitetura de Giancarlo de Carlo pretendia ser não um resultado pronto, concebido a partir de fundamentos estéticos dados a priori, mas um processo de trabalho que levasse em consideração os sujeitos "para quem" ele estava sendo feito. Sua arquitetura buscava ser uma arquitetura de todos, e não uma obra autobiografada.
Os dois procedimentos fundamentais que ele propunha para chegar a uma arquitetura de todos eram o compromisso com o padrão cultural da comunidade e a participação do usuário no processo de percepção da obra. Através de procedimentos como trabalhar para o Estado, estabelecer uma relação da obra com a realidade social e política enfrentada, inserir a comunidade como agente no processo de projeto e realizar um projeto coerente com o contexto do seu entorno e com o repertório cultural dos seus usuários, de Carlo firmava sua opção profissional de realizar arquitetura como processo político."
Kenneth Frampton, 2008
"A criação de modos alternativos de lidar com tal situação, tanto no caso do mundo desenvolvido quanto no do subdesenvolvido, mostrou-se ilusória, e a panacéia da 'participação do usuário' (difício de definir adequadamente, e ainda mais difícil de conseguir) serviu apenas para nos dar uma consciência mais aguda da intratabilidade do problema e do fato de que ele talvez só possa ser eficientemente abordado em etapas, por respostas apropriadas a situações específicas. Não obstante, a defesa do planejamento continua sendo um legado radical dos anos 1960, ainda que os resultados de sua aplicação tenham variado muito, desde a manipulação política dos menos privilegiados até a construção recente de moradias baixas em Terni, no norte de Roma, obra projetada por Giancarlo de Carlo segundo um programa desenvolvido como resultado de amplos debates com o sindicato local. Não há dúvida de que todo esse empreendimento resultou na construção de moradias de qualidade e diversidade extraordinárias, muito embora o modo como os desejos dos usuários acabaram sendo uma questão sujeita a controvérsias."
FRAMPTON, Kenneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. 2. ed. - São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 352