Capa da primeira edição do livro, de 1978 (Nova York: Thames & Hudson), com um detalhe do quadro Flagrante delito (1975), de Madelon Vriesendorp.
Capa da segunda edição do livro, publicada em 1994 nos Estados Unidos (The Monacelli Press) e na Holanda (010 Publishers). Na capa, uma imagem dos edifícios anexados ao conjunto do Rockefeller Center.
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O livro se apresenta como um "manifesto retroativo" para Manhattan, combinando um conjunto de dados históricos sobre Nova York - concentrados entre o final do século XIX e a década de 1940 - com especulações sobre a cidade contemporânea. O chamado "manhattanismo" é a lógica usada para explicar a formação da cidade moderna, não através das formulações utópicas e heroicas dos arquitetos celebrados pela crítica e pela história, mas, antes, pela produção em quantidade e guiada pelo pragmatismo dos construtores de Nova York, ao longo das primeiras décadas do século XX.
A obra pode ser dividida em cinco blocos principais. Os quatro primeiros, segundo o próprio autor, "narram as permutações do manhattanismo, mais como uma doutrina tácita do que explícita", onde são apresentadas as considerações sobre três casos exemplares - "Coney Island", "O arranha-céu" e o "Rockefeller Center". Em "Europeus: Biuér!" são apresentadas as visões de Salvador Dalí e Le Corbusier para Nova York; e no "Apêndice", seu último bloco, são apresentados projetos/ficções realizados por Koolhaas, Madelon Vriesendorp, Elia e Zoe Zenghelis - cofundadores do OMA (Office for Metropolitan Architecture) em 1975. Para além dos projetos apresentados no livro, as considerações de Koolhaas sobre a cidade moderna, tomando Nova York como chave de interpretação, servem de base para muitas das propostas desenvolvidas pelo OMA, sobretudo nos primeiros anos de funcionamento do escritório.
A finalização do livro se deu quando Koolhaas já tinha retornado a Londres, no final dos anos 1970. Ao longo de sua elaboração, no entanto, o autor publicou outros textos que antecipavam as questões reunidas em "Delirious New York". São os casos de "The Architects' Ball - A Vignette, 1931", numa edição de Oppositions (n. 3, mai. 1974); dois textos numa edição de L'Architecture d'Aujourd'Hui com um dossiê especial intitulado "New York in White and Gray" - "Delirious New York" e "Projet pour un pays de rêve: Dreamland" (n. 186, ago./set. 1976); e, principalmente, nos textos e projetos apresentados em duas edições da revista Architectural Design - uma dedicada à obra do OMA (v. 77, n. 5, 1977) e a outra sobre surrealismo e arquitetura (v.78, n. 2-3, 1978).
A obra teve grande impacto nos debates arquitetônicos e urbanísticos, contando uma segunda edição em 1994, publicada simultaneamente nos Estados Unidos (The Monacelli Press) e na Holanda (010 Publishers), quando passou uma revisão do projeto gráfico e as ilustrações dos projetos foram reduzidas. Foi traduzida para diversos idiomas e conta-se com uma edição brasileira, de 2008, na qual foi acrescentado um prefácio de Adrián Gorelik.
BARBA, José Juan. Invenciones: Nueva York vs Rem Koolhaas, Bernard Tschumi, Piranesi. Alcalá de Henares: Universidad de Alcalá, 2014. Col. UAH Monografías - Arquitetura, v. 7.
GARGIANI, Roberto. Rem Koolhaas | OMA: the construction of merveilles. Lausanne; Abingdon: EPFL Press; Routledge, 2008.
GORELIK, Adrián. Arquitetura e capitalismo: os usos de Nova York. In: KOOLHAAS, R. Nova York delirante: um manifesto retroativo para Manhattan. São Paulo: Cosac Naify, 2008. p. 6-23.
KOOLHAAS, Rem. Delirious New York: a retroactive manifesto for Manhattan. 2. ed. Nova York: The Monacelli Press, 1994.
KOOLHAAS, Rem. Nova York delirante: um manifesto retroativo para Manhattan. São Paulo: Cosac Naify, 2008.
KOOLHAAS, Rem; COLOMINA, Beatriz. La arquitectura de las publicaciones: conversación entre Beatriz Colomina y Rem Koolhaas / The architecture of publication: Rem Koolhaas in conversation with Beatriz Colomina. El Croquis, Madri, n. 134-135, "OMA [II], 1996-2007", p. 350-377, 2007.
Rem Koolhaas, 2008 [1978]:
"Como escrever manifestos - sobre uma forma de urbanismo para este final de século XX - numa era que não os aprecia? A grande fragilidade dos manifestos é sua intrínseca falta de provas.
O problema de Manhattan é o contrário: uma montanha de provas sem um manifesto.
Este livro foi concebido como o cruzamento dessas duas considerações: é um manifesto retroativo para Manhattan.
Manhattan é a pedra de Roseta do século XX."
"Este livro é uma interpretação daquela Manhattan que confere aos seus episódios aparentemente descontínuos - e até inconciliáveis - um certo grau de coesão e coerência, uma interpretação que quer mostrar Manhattan como produto de uma teoria não-formulada, o manhattanismo, cujo programa - existir num mundo totalmente fabricado pelo homem, isto é, viver dentro da fantasia - era tão ambicioso que, para se tornar realidade, nunca podia ser enunciado abertamente."
"O manhattanismo é a única ideologia urbanista que tem se alimentado, desde seu nascimento, dos esplendores e das misérias da condição metropolitana - a hiperdensidade - sem nunca perder a fé nela como base para uma cultura moderna desejável. A arquitetura de Manhattan é um paradigma para a exploração da congestão.
A formulação retroativa do programa de Manhattan é uma operação polêmica.
Ela revela uma série de estratagemas, teoremas e rupturas que fornecem uma lógica e um padrão para a atuação da cidade no passado, e cuja validade constante é, em si mesma, um argumento em favor de um segundo advento do manhattanismo, agora como doutrina explícita capaz de transcender a ilha de suas origens e reivindicar seu lugar entre os urbanismos contemporâneos. Tendo Manhattan como exemplo, este livro é um projeto para uma ‘cultura da congestão'."
KOOLHAAS, Rem. Nova York delirante: um manifesto retroativo para Manhattan. São Paulo: Cosac Naify, 2008, grifos do autor.
"NOVA YORK 1
Há dez anos, escrevi um livro sobre Nova York que era uma investigação sobre outro tipo de modernidade - não a modernidade europeia dos anos 1920 e 30 que consistiam de um sonho nunca realizado. O que me fascinou em Nova York foi que edificios como o Rockefeller Center, nos anos 20 e 30, foram tão revolucionários como a arquitetura da Europa, mas que foram construídos, realizados e - talvez o mais importante - eram populares. Por isso, ao meu ver, a grande virtude de Nova York é que ela apresenta uma modernidade que não está alienada da população e que é, de fato, populista."
KOOLHAAS, Rem apud OMA; KOOLHAAS, Rem; MAU, Bruce. S, M, L, XL. 2. ed. Nova York: The Monacelli Press, 1997. Trad. livre: Leandro Cruz.
"Rem Koolhaas: Descobri Aprendendo com Las Vegas em 1972, quando era estudante da Cornell University. Para mim, o livro foi tanto inspiração quanto ameaça: o trabalho de vocês constituiu um manifesto pela mudança da substância para o signo e veio justamente no momento em que eu estava começando - no que viria a ser o livro Nova York Delirante - a decifrar o impacto da substância sobre a cultura. De modo paradoxal, percebi em seu livro um par de arquitetos que, apesar de seu amor pela arquitetura, estavam assustadoramente fascinados pelo seu oposto, enquanto eu estava ficando fascinado pela arquitetura, vindo do seu oposto.
Hans Ulrich Obrist: Falando nisto, eu estava pensando sobre o fato de que, depois de Complexidade e Contradição em Arquitetura, é muito difícil encontrar outro manifesto sobre arquitetura. Rem estava comentando que, desde então, a maioria dos manifestos foram sobre a cidade.
RK: A questão não é que sejam manifestos sobre a cidade, é que não há manifestos - apenas livros sobre as cidades que sugerem manifestos. [...]
Robert Venturi: A nossa abordagem, atualmente, de fato se relaciona com tudo que vimos dizendo o tempo todo, mas dito de maneira diferente. O elemento da arquitetura essencial para o nosso tempo não é mais o espaço, não é mais a forma abstrata com aparência industrial; o elemento arquitetônico essencial é a iconografia. No entanto, as pessoas hoje em dia sequer sabem o que significa iconografia. Escrevi um livro sobre iconografia e, nos Estados Unidos, ele só foi resenhado uma vez - por Martin Filler, na New York Review of Books."
SCOT BROWN, Denise; VENTURI, Robert; OBRIST, Hans Ulrich; KOOLHAAS, Rem. Re-Learning from Las Vegas. In: CHUNG, Chuihua Judy et al. (Ed.).The Harvard Design School Guide to Shopping. Köln: Taschen, 2001. p. 590-617, grifos dos autores. Col. Project on the City, v. 2. Trad. livre: Leandro Cruz.
"Em Nova York Delirante, Koolhaas celebra Manhattan por sua ‘cultura de congestão'. O arranha-céu é o âmago desta cultura, entendido por ele como um cruzamento de duas formas emblemáticas - ‘a agulha' e ‘o globo' - que aparecem sob vários estilos entre a primeira Exposição Universal em Nova York, em 1853, até a Exposição de 1939. A agulha, no arranha-céu, é o que exige ‘atenção', o globo é o que promete a ‘receptividade' e ‘a história do manhattanismo é uma dialética entre essas duas formas'. Depois do 11 de setembro o quadro discursivo deste manhattanismo mudou um pouco. Novos temores se juntaram ao arranha-céu como um alvo terrorista e os valores da ‘atenção' e da ‘receptividade' são tidos como suspeitos. O mesmo se dá com os valores da congestão e do ‘espaço delirante' - ofuscados pela necessidade de vigilância e do ‘espaço defensável'. Em suma, o ‘ego urbanístico' e a diversidade cultural que Koolhaas celebra em Nova York Delirante estão sob enorme pressão. Eles precisam de defensores como nunca antes, uma vez que, parafraseando os surrealistas, a Beleza de Nova York será delirante ou não será."
FOSTER, Hal. Design and crime (and other diatribes). Londres: Verso, 2002, grifos do autor. Trad. livre: Leandro Cruz.
"[BC] [...] Estou interessada na relação entre cidades e publicações, desde Groszstadt até Lagos. [...] Qual é a relação entre a fundação do OMA e a pesquisa que levou a Nova York Delirante? Qual delas veio primeiro?
[RK] Nova York Delirante veio antes... A ideia vaga de fazer ‘algo' sobre Nova York remonta a 1972. É por isso que fui para os Estados Unidos... mas, ao mesmo tempo, tinha uma ideia paralela de abrir um escritório com Elia [Zenghelis] e daí - acho que foi em 1975 - as duas coisas se juntaram em 'The Sparkling Metropolis' (A Metrópole Cintilante), uma exposição no Museu Guggenheim, para a qual fizemos um cartaz que mostrava a chegada de uma piscina flutuante em Manhattan."
"[BC] E com relação a escrita e arquitetura? Você as considera incompatíveis? [...] Você acha que arquitetura é intuição e a escrita, razão? Em todo o caso, qual é a relação entre escrita e arquitetura? O quê vem primeiro?
[RK] Tecnicamente, a escrita. No começo, eu escrevi para dar credibilidade ao tipo de arquitetura que queria fazer. Agora é diferente. Por um lado, é para descrever a evolução atual da arquitetura ... Por outro lado - a exemplo do trabalho em Harvard - nos prepara para lidarmos com certas questões como a cidade chinesa, que se percebe como iminente na prática profissional. E ainda por outro lado, eu a considero como pura ‘escrita', literária, como ‘Generic City' ou ‘Junk Space' (A Cidade Genérica e Espaço-Lixo). Acho que isto é muito confuso para as pessoas. Experimento diferentes gêneros, diferentes tons, como o clínico - em ‘Generic City' - ou o histérico - como em ‘Junk Space'."
KOOLHAAS, Rem; COLOMINA, Beatriz. La arquitectura de las publicaciones: conversación entre Beatriz Colomina y Rem Koolhaas / The architecture of publication: Rem Koolhaas in conversation with Beatriz Colomina. El Croquis, Madri, n. 134-135, "OMA [II], 1996-2007", p. 350-377, 2007, grifos dos autores. Trad. livre: Leandro Cruz.
"Por que um ‘manifesto retroativo'? Com seu grande talento para as fórmulas de alto impacto, Koolhaas inventou um nome para o que é na verdade uma mistura entre manifesto arquitetônico e interpretação urbana. Boa parte da potência de Nova York delirante surge dessa mistura. O livro começa propondo Nova York como a pedra de Roseta do século XX e, portanto, ao próprio autor como o Champollion que nos decifra seus segredos. Porém - os historiadores urbanos sabem muito bem -, toda cidade guarda, enigmática, em seus planos e edifícios, as chaves de uma civilização. É a quintessência da modernidade o que Koolhaas busca em Nova York. E quando o intérprete da cidade não é um historiador, mas um arquiteto em busca de um manifesto retroativo -, acontece algo muito especial, porque ele tem que inventar, mais com um artista de que um tradutor, a própria língua a ser compreendida. Isso já é toda uma definição que nos oferece Koolhaas acerca do melhor papel que pode desempenhar o arquiteto na modernidade: produzir metáforas capazes de ordenar e interpretar a realidade metropolitana, convertendo-a em conhecimento social."
GORELIK, Adrián. Arquitetura e capitalismo: os usos de Nova York. In: KOOLHAAS, Rem. Nova York delirante: um manifesto retroativo para Manhattan. São Paulo: Cosac Naify, 2008. p. 6-23, grifo do autor.
"Logo nas primeiras páginas, Nova York Delirante se revela como mais um dos ‘projetos conceituais-metafóricos' do OMA, listados no apêndice. Sua ‘estrutura' é baseada na ‘malha' [grid] de Manhattan e seus capítulos são como ‘quadras'. Nova York é apresentada como a encarnação das antecipações das vanguardas europeias ‘ainda em busca de uma teoria' - o ‘Manhattanismo'. Mas é Koolhaas, que se apresenta como o arqueólogo foucaltiano, o descobridor do segredo que decifra a cultura arquitetônica contemporânea - ‘Manhattan é a Pedra de Roseta do século XX' - que solicita da metrópole excepcional a criação de uma base de certezas, uma ‘montanha repleta de evidências', a partir da qual possa construir seu ‘manifesto retroativo para Manhattan'. Esse manifesto é escrito com a polêmica e impassível proposta de rejeição da Ville Radieuse e das cidades dos CIAM, substituindo-as pelas qualidades fantásticas, lúdicas e surreais descobertas na própria densidade de Manhattan, criando assim a base da Cultura da Congestão."
GARGIANI, Roberto. Rem Koolhaas | OMA: the construction of merveilles. Lausanne; Abingdon: EPFL Press; Routledge, 2008, grifos do autor. Trad. livre: Leandro Cruz.
"[...] Embora o livro seja um manifesto retroativo para Manhattan, a cidade não é descrita em sua totalidade, mas, antes, representada por uma série de visões arquitetônicas excepcionais e idiossincráticas - como Coney Island, o prédio da RCA e o Rockefeller Center - e pelas ideologias contrastantes de [Salvador] Dalí e Le Corbusier. Da mesma forma, nos anos 1960 e 1970, [Oswald Mathias] Ungers trabalhou em vários projetos (tanto em seu escritório como com seus alunos na TU Berlin e na Cornell University) baseados na ideia da cidade de partes contrastantes. [...] O conceito de Ungers, do arquipélago como uma cidade feita de partes radicalmente diferentes, justapostas no mesmo espaço, foi a principal influência na leitura de Koolhaas sobre Nova York como um paradigma urbano. Enquanto que para Ungers as peças que compõem a cidade devem se opor umas às outras e estão, portanto, relacionadas ao princípio dialético de que algo está unido ao se separar, para Koolhaas a diferença entre os blocos é a diferença em si, onde as variações podem se desdobrar infinitamente sem afetar o princípio geral. [...]"
AURELI, Pier Vittorio. The possibility of an absolute architecture. Cambridge; Londres: MIT Press, 2011. Trad. livre: Leandro Cruz.
"Começando na década de 1970, o arquiteto holandês Rem Koolhaas lança outra revolução, esta na linha conceitual de Oswald Mathias Ungers e no legado do construtivismo russo. Após ter elaborado projetos ficcionais como ‘Exodus, or the Voluntary Prisoners of Architecture' [Êxodo, ou os Prisioneiros Voluntários da Arquitetura] e ‘The City of the Captive Globe' [A Cidade do Globo Cativo], ambos de 1972, ele abriu em 1975, com Elia Zenghelis, o Office for Metropolitan Architecture (OMA). O ideário denotado pelo nome do OMA está explicitado no texto e nas ilustrações do livro Nova York delirante (1978), de Koolhaas, uma leitura irônica e inovadora do ‘manhattanismo'. Defesa da congestão urbana e da imaginação arquitetônica, nele são relembrados edifícios esquecidos, mas significativos, mediante a formulação de uma teoria ‘retroativa' de urbanismo que havia levado à criação dos arranha-céus nova-iorquinos, sem jamais ter sido enunciada. Dissecando exemplos da história arquitetônica da cidade em seu todo, o livro estabelece uma narrativa em que erros flagrantes da história ‘oficial' são corrigidos. Esse museu imaginário irá fornecer certos elementos do projeto do OMA para o concurso do Parc de La Villette (1982-83). Conquanto inibida pelas rígidas exigências do programa, a proposta apresentada partiu da elaboração de uma estrutura baseada na frequência e na inter-relação das diferentes atividades, estabelecendo algoritmos matemáticos para distribuir os espaços e atribuir faixas de paisagem aos esportes e às atividades de lazer."
COHEN, Jean-Louis. O futuro da arquitetura desde 1889: uma história mundial. São Paulo: Cosac Naify, 2013, grifo do autor.