1947
Brasil, São Paulo
Fato RelevanteIdiomas disponíveis
Português
Colaborador
Dila Reis
Louis-Joseph Lebret e a SAGMACS na formação de um grupo de ação para o planejamento urbano no Brasil
Michelly Ramos de Angelo, 2010:
No Brasil, Lebret atuou especialmente por meio da Sociedade para a Análise Gráfica e Mecanográfica Aplicada aos Complexos Sociais (SAGMACS), criada por ele em 1947 e onde realizou numerosos trabalhos à frente de uma equipe de profissionais brasileiros. Pesquisas como as de Leme (1999, 2000) e Leme e Lamparelli (2001) ressaltam a contribuição de Lebret na consolidação do pensamento urbanístico no Brasil e da SAGMACS como formadora de uma nova vertente do urbanismo no país. Esta teria, inclusive, aberto novas perspectivas de inserção profissional do urbanista no planejamento das cidades. Foi também com a fundação do grupo Economia e Humanismo no Brasil, em 1947, que as principais idéias de Lebret puderam ser difundidas nos meios político e católico, tendo grande recepção entre a Juventude Universitária Católica (JUC). Foi à frente dessas duas instituições – SAGMACS e Economia e Humanismo – que Lebret teve a possibilidade de formar profissionais brasileiros e de experimentar suas idéias e métodos de desenvolvimento, o que lhe permitiu, mais tarde, fundar um Instituto especializado nessa formação [Sobre a atuação de Lebret no Brasil, a SAGMACS e o grupo Economia e Humanismo, ver: LEVY (1985); LAMPARELLI (1998, 2001); MEYER (1991); PONTUAL (1998); VALLADARES (2005); FELDMAN (2005a, 2005b, 2009); BREUIL (2006); ANGELO (2007); CESTARO (2009)].
A partir do final da década de 1940 e especialmente na década de 1950, quando Lebret iniciou as suas atividades nos países latino-americanos, uma de suas inquietações passou a ser em relação a capacitação de profissionais para que atuassem em favor do desenvolvimento destes países. Para Lebret, a complexidade do desenvolvimento exigia profissionais especializados, que viessem de várias áreas, atuassem em conjunto e abordassem a questão de forma humanista. Portanto, mais do que adquirir uma técnica para o trabalho, tratava-se de uma formação humanista. Lebret se referia a esse corpo de profissionais que estava sendo formado de développeurs [Développeurs é um neologismo francês. Poderíamos traduzir para o português como “agentes do desenvolvimento”], nome que, para além da idéia de técnico em desenvolvimento, estava revestido de um sentido militante e de uma chamada vocacional que direcionava os jovens formados por ele a atuarem nos países menos desenvolvidos.
Preparar quadros de desenvolvimento passou a ser uma das maiores ocupações de Lebret, especialmente a partir de 1958, quando fundou um instituto especializado para essa formação, o IRFED. A história do IRFED ainda foi pouco explorada por pesquisadores brasileiros, tendo somente a referência de publicações francesas, como Pelletier (1996), Houée (1997), Garreau (1997) e Breuil (2006), que destacam sua importância na formação de um corpo de profissionais que viriam compor quadros governamentais, políticos e intelectuais em seus países. De fato, o Instituto recebeu, a cada ano, estudantes de várias partes do mundo, inclusive latino-americanos, que se atualizaram no tema do desenvolvimento e refletiram sobre possíveis experiências para seus respectivos países.
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Lamparelli (1998) afirma que o método de organização do território de Lebret se caracterizava por partir da região e da população para identificar as aglomerações e as condições de vida urbana, enquanto os demais, ao contrário, partiam da cidade e de seus elementos construídos para considerar a população. A SAGMACS foi uma das pioneiras nesse tipo de pesquisa, elaborando trabalhos de grande envergadura no país como Problemas de desenvolvimento, necessidades e possibilidades do estado de São Paulo (1952-54), Problemas de desenvolvimento, necessidades e possibilidades dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná (1955-57), Estrutura Urbana da Aglomeração Paulistana: estruturas atuais e estruturas racionais (1957-58), Estrutura Urbana de Belo Horizonte (1958-59) e Aspectos Humanos da Favela Carioca (1957-59), tendo, em conjunto, mobilizado cerca de 210 profissionais brasileiros. Além desses, destaca-se o trabalho Estudo sobre Desenvolvimento e Implantação de Indústrias, Interessando a Pernambuco e ao Nordeste (1954-55), assinado por Lebret. Esses temas foram tratados posteriormente nos cursos do IRFED, e os trabalhos foram utilizados como exemplos de estudo para a formação de outros profissionais, sendo, dessa forma, a atuação da SAGMACS motivadora para a idéia de Lebret sobre o Instituto.
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Sobre os brasileiros que atuaram na SAGMACS e que participaram das sessões do IRFED, ou como alunos ou como colaboradores (presenciais ou à distância) [A colaboração de alguns dos profissionais também se dava indiretamente, ou seja, a partir do envio de resultados de trabalhos elaborados no Brasil, na SAGMACS.], destacamos os nomes de: Chiara de Ambrosis, Luiz Carlos Costa, Mario Laranjeira, Margarida Luisa Ribeiro, Clementina de Ambrosis, Francisco Whitaker Ferreira, Antonio Bezerra Baltar [A participação de Baltar é citada por Breuil (2006), porém só encontramos registro de convites de Lebret e não de uma efetiva participação, seja como professor ou aluno], Benevenuto de Santa Cruz e José Arthur Rios. Estes cinco últimos nomes – Ambrosis, Ferreira, Baltar, Santa Cruz e Rios – são citados juntamente com os nomes de Raymond Delprat, Alain Birou e de Lebret como os principais experts, consultores e assistentes da SAGMACS que atuaram em estudos sócio-econômicos e regionais efetuados sob a responsabilidade da equipe do IRFED [Études sócio-economiques et regionales effectuées par ou sous la responsabilité d’équipiers de l’I.R.F.E.D. Fundo Lebret, pasta 116]. Além destes, sabemos da participação de Maria Adélia de Souza, embora seu nome não conste na listagem estudada; de Mario Laranjeira de Mendonça, cujo nome é citado por Lamparelli [LAMPARELLI. Celso Monteiro. Entrevista concedida à autora em novembro 2008]; e de Eduardo Bastos, que consta na lista de professores de um dos cursos [IRFED. L'Enseignement de l'IRFED”, 18/08/1958. Fundo Delprat, pasta 84].
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A partir da lista de presença de alunos nos cursos do IRFED realizados entre 1958-68 [Possivelmente não encontramos a lista de estudantes de todos os ciclos no período que abrangemos. Mesmo que aproximada, a lista provavelmente não corresponde à totalidade de estudantes brasileiros que passaram pela instituição nesse período. As listas de estudantes por ciclo foram encontradas nas seguintes pastas: Fundo Lebret, pastas 175, 116, 119; e Fundo Delprat, pastas 84, 85, 87, 90, 91, 92], identificamos 235 latino-americanos, dos quais 40% eram brasileiros, num universo de 791 estudantes. Dos 107 brasileiros, alguns poucos profissionais haviam trabalhado na SAGMACS, fato surpreendente, a princípio, uma vez que seus integrantes eram convidados a participar do curso de formação no IRFED e também porque era na SAGMACS que profissionais atuavam diretamente em estudos de desenvolvimento urbano e regional sob a direção de Lebret. Uma hipótese formulada para explicar o fato diz respeito ao momento vivido pela SAGMACS na época em que o IRFED foi criado e iniciou seus primeiros cursos. Em 1958-1959, havia poucos trabalhos em execução na SAGMACS, sendo o maior deles o da favela carioca, cuja equipe, basicamente do Rio de Janeiro, não tinha em sua composição militantes ligados à JUC ou profissionais que já seguiam uma trajetória de trabalhos na SAGMACS. Além disso, em São Paulo, naquele momento, parte da equipe havia temporariamente assumido funções no governo estadual, onde ficariam até 1962 [Leme e Lamparelli (2001) intitulam a fase da SAGMACS que vai de 1959 a 1963 de “ampliação e diluição”, ampliação do terreno de atuação das equipes e diluição dos métodos e princípios. A equipe, por exemplo, vai atuar logo após a conclusão do trabalho da aglomeração paulistana, nos primeiros meses de 1959, no Plano de Ação do Governo Carvalho Pinto].
No Brasil, o período 1962-1964 foi marcado também por uma maior autonomia nos trabalhos da SAGMACS. Embora as atividades estivessem mais desvinculadas das orientações diretas de Lebret, este mantinha contato com a equipe por meio de cartas, que evidenciam seu conhecimento sobre os trabalhos da SAGMACS no Brasil. Em algumas delas, Lebret se mostra aberto a receber estudantes no IRFED e interessado em formar quadros brasileiros.
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Fonte(s): ANGELO, M. Les Développeurs: Louis-Joseph Lebret e a SAGMACS na formação de um grupo de ação para o planejamento urbano no Brasil. 2010. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade de São Paulo, USP, São Paulo. 2010.
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