1956
Brasil, Distrito Federal
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Cidades Novas, Planejamento Urbano
Colaborador
Diego Mauro/ Ícaro Vilaça
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Proposta já em 1823 por José Bonifácio de Andrada e Silva, a criação de uma nova capital do Brasil no interior do país começa a se realizar em setembro de 1956, com a publicação do edital para o "Concurso Nacional do Plano Piloto da Nova Capital do Brasil" no Diário Oficial da União, por determinação do presidente Juscelino Kubitschek.
O objetivo do edital era promover o desenvolvimento do projeto a ser utilizado na implantação da nova capital. Foram inscritos 26 projetos, tendo sido classificado em primeiro lugar o projeto apresentado pelo arquiteto e urbanista Lúcio Costa, fortemente embasado pelos princípios da Carta de Atenas de 1933.
A cidade foi inaugurada em 1960, e tombada pelo Institudo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1990. 1987, foi inscrita pela UNESCO da lista do Patrimônio Mundial.
Juscelino Kubitscheck, 1975:
O Catetinho foi o passo inicial de uma gigantesca escalada. Depois dele, a iniciativa de maior importância foi a elaboração do Plano-Piloto. Entrementes, outras providências, destinadas a criar condições de trabalho no Planalto, haviam sido tomadas: construção de barracos e alojamentos; balizamento da área; início do represamento do rio Paranoá; abertura da Rodovia Brasília - Anápolis, e a construção de alojamentos para as primeiras levas de candangos.
Um concurso, para a apresentação de um Plano-Piloto da nova cidade, havia sido aberto. Minha idéia inicial havia sido a realização de um concurso internacional, de forma a permitir que arquitetos e urbanistas de todo o mundo participassem do certame. Julgava que, ampliando a área de concorrência, criaria melhores condições de competição, dando origem a projetos mais originais. Realizaram-se, pois, diversas reuniões no Rio, com o objetivo de se estabelecer o critério a ser adotado e, após longos debates, dos quais participaram Israel Pinheiro, Ernesto Silva, o arquiteto Oscar Niemeyer e os assessores arquitetos Raul Pena Firme e Roberto Lacombe, foi elaborado o texto do edital que regularia o concurso.
O edital estabelecia que o concurso seria nacional e o plano-Piloto deveria abranger: a) traçado básico da cidade, indicando a disposição dos principais elementos da estrutura urbana;
b) o júri, presidido pelo presidente da NOVACAP, seria integrado de dois representantes da companhia, um do Instituto dos Arquitetos do Brasil, um do Clube de Engenharia e dois urbanistas estrangeiros;
c) os trabalhos deveriam ser entregues dentro de 120 dias a partir da data das inscrições;
d) o prêmio concedido ao primeiro colocado seria de um milhão de cruzeiros.
Foi sorte que os integrantes da comissão, organizadora do concurso, houvessem optado por uma solução nacional, convencendo-me a renunciar à idéia de um concurso internacional. Caso minha sugestão tivesse prevalecido - já que o júri seria integrado, também, por autoridades estrangeiras - poderia ter ocorrido que os julgadores, influenciados pela beleza de um projeto, acabassem por premiá-lo, sem atentar no caráter peculiar da cidade que iria ser construída. Porque Brasília não seria um centro urbano nos padrões convencionais, mas uma realização diferente. Seria uma cidade vazada numa concepção nova, quer no que dizia respeito às intenções que nortearam sua localização, quer em relação ao significado socioeconômico que deveria refletir-se no contexto urbanístico que lhe comporia a imagem.
De qualquer forma, o concurso despertou enorme interesse. Arquitetos e urbanistas, assim como firmas de engenharia, apresentaram projetos de variados gêneros, todos admiráveis. Lembro-me de que quando fui ao Ministério da Educação - onde os trabalhos estavam em exposição - pude admirar em conjunto todos os projetos. Alguns impressionavam pelo arrojo; outros, pelo elaborado zelo com que haviam sido apresentados. O de M.M.M. Roberto, por exemplo, constituía uma deslumbrante obra de montagem. Tudo ali era bem feito, de forma a causar a melhor impressão nos julgadores. Outro, que me chamou a atenção, foi o da Construtec - firma de São Paulo -, composto em diversos elementos, com maquetes e quadros de alumínios. Segundo me informaram, essa firma de engenharia despendera, na elaboração do seu projeto cerca de 400 mil cruzeiros, o que era uma soma vultosa na época.
Como acontece em todos os concursos, sérias divergências tumultuaram o julgamento. Paulo Antunes Ribeiro, representante do Instituto dos Arquitetos do Brasil, irritara-se com a seleção que fora feita. Os jurados, após haverem examinado o conjunto, eliminaram 16 projetos, reservando 10 para um exame mais cuidadoso. Entre os classificados, figuravam os maiores nomes da Arquitetura e do Urbanismo no Brasil, como Lúcio Costa, Nei da Rocha e Silva, M.MM. Roberto, Henrique Mindlin, Paulo Camargo e a firma Construtec.
O júri era integrado por autoridades internacionais, como Sir William Holford, assessor de Urbanismo do Governo Britânico e planificador da capital da Rodésia; André Sive, da França; e Stamo Papadaki, da Universidade de Nova Iorque. Dos três o de maior projeção era Sir William Holford, reconhecido internacionalmente como grande autoridade em Urbanismo. Fora dele a sugestão de se proceder a uma eliminação prévia, para facilitar o julgamento dos poucos classificados. Feito isso, a escolha do melhor teve lugar quase imediatamente, e esta recaiu no projeto de Lúcio Costa.
O representante do I.A.B. não se conformou com o critério adotado. E, formalizando seu desagrado, apresentou voto em separado, discordando da decisão do júri. Preconizava a seleção de dez trabalhos, que seriam encaminhados à NOVACAP, para que esta, inspirando-se naqueles projetos, retirasse de cada um deles o que julgasse mais conveniente. A proposição não poderia ser aceita. Tratava-se de um concurso para se escolher um projeto que daria corpo e realidade à capital de um país - e, sobretudo, a uma cidade que se pretendia fosse revolucionária. Assim, como utilizar-se, para fazer a escolha, o critério da seleção pluralista?
Em conversa com Sir William Holford, por ocasião da minha visita à exposição, tive a oportunidade de conhecer as razões que determinaram aquela "pressa" no julgamento dos trabalhos. Disse-me ele que o assunto, de fato, não comportava delongas. Ou um projeto era bom ou não era, e isso tornava-se evidente à primeira vista. Quando examinara os trabalhos, havia um que lhe chamara a atenção. Era o de Lúcio Costa. Fora apresentado sem qualquer preocupação de obter destaque. Estava numa folha de papel comum, desenhado à mão, com alguns rabiscos, e acompanhado de uma exposição, à guisa de defesa do projeto.
Observando o que se encontrava na folha de papel surpreendera-se ao verificar que ali existia uma idéia, apresentada a título de sugestão. Tudo era pobre na apresentação - desleixo aliado á pobreza do material - mas havia grandeza na concepção. Compreendera, num relance, que estava em face de um projeto que revelava genialidade. Solicitou que lhe traduzissem o texto da exposição e concluiu que o trabalho de Lúcio Costa merecia ser premiado. Nele, tudo era coerente. Racional. E em face da essência urbana, caso fosse executado, conferiria grandeza à nova capital. Tratava-se, sem dúvida, de uma verdadeira obra de arte, tanto pela clareza quanto pela hierarquia dos elementos integrantes do conjunto.
Eis o retrato da futura capital - uma série de grandes quadrados que, cercados de plantas, impediriam que ela, mesmo parcialmente construída, jamais lembrasse um deserto. Na realidade, o que iria ocorrer seria justamente o contrário. O deserto do cerrado seria por ela absorvido. Passaria a integrá-la, transformando em cenário para realçar-lhe, pelo contraste, o extraordinário arrojo da concepção urbanística. E tudo isso a mil quilômetros do litoral, localizado exatamente no centro geográfico de um país continente.
A Construtec despendera 400 mil cruzeiros para apresentar seu projeto, desdobrado em maquetes, em gráfico, em gráficos coloridos e em quadros de alumínio. Lúcio Costa, para fazer o mesmo, gastara 25 cruzeiros em papel comum, lápis, tinta, borracha, assim como 64 horas de trabalho, e arrebatara o prêmio.