Leituras
Textos
- Apresentação
2016
- Brasília: segregação e utopia na cidade moderna
- Notas sobre o ponto de inflexão "Aprendendo com Las Vegas"
- Notas sobre o Moderno: a(s) Carta(s) de Atenas e a emergência do Team X
- Notas sobre Ponto de Inflexão “Brás de Pina”
2009
- Cronologia do Pensamento Urbanístico
- Teoria Historiográfica e a Cronologia do Pensamento Urbanístico.
- Historiografia de Resistências ao Pensamento Urbanístico Hegemônico
Paineis
- Poster XIV Seminário de História da Cidade e do Urbanismo - SHCU 2016, FAU/USP - São Carlos
- Poster XIII Seminário de História da Cidade e do Urbanismo - SHCU 2014, FAUNB/UnB - Brasília
- Cronologia do Pensamento Urbanístico: recorte contemporâneo (Icaro Villaça e Diego Mauro - bolsistas IC)
Cronologias
- Cronologia das Cidades Utópicas (Adriana Caúla - anexo da tese de doutorado)
- Cronologia dos Documentários Urbanos (Silvana Olivieri - anexo da dissertação de mestrado)
- Cronologia da Habitação Social (Leandro Cruz - anexo da dissertação de mestrado)
- Cronologia de uma cidade enunciada (Osnildo Wan-Dall - Anexo da dissertação de mestrado)
Cronologia do Pensamento Urbanístico
Histórico – da antologia à cronologia
Centramos nosso estudo da historiografia do pensamento urbanístico na circulação de idéias com o objetivo principal de subsidiar uma interpretação da história intelectual do urbanismo ao longo do século XX, principalmente no Brasil, de modo a trazer novas perspectivas de análise e novos recortes no movimento de revisão historiográfica em torno desse campo disciplinar. O que nos interessa é justamente a tensão sincrônica entre diferentes idéias e pressupostos teóricos, e também a sua capacidade de contaminação sistêmica e transgeográfica. Nossa pesquisa conjunta começou a ser desenvolvida em 1999, com o intuito de se elaborar uma antologia crítica, ilustrada e comentada de textos de urbanismo que integrasse a reflexão de profissionais estrangeiros e brasileiros sobre o urbanismo e suas práticas ao longo do século XX.
Em um primeiro momento, passamos a reunir as antologias que já foram publicadas em várias línguas, identificar, ler e fichar os textos publicados e organizá-los. Ao estudar as antologias disponíveis no nosso campo disciplinar percebemos que estas eram divididas em quatro tipos, com relação à organização dos textos selecionados: temática, cronológica, geográfica ou mistas. As primeiras antologias européias eram em sua maioria temáticas ou geográficas, ou seja, usavam diferentes temas - como a clássica antologia de Françoise Choay (CHOAY, 1965) que separava urbanistas progressistas e culturalistas - ou geografias para separar os textos selecionados. A separação temática dos textos nos parecia um problema uma vez que o que nos interessava era justamente a tensão sincrônica entre eles, entre diferentes idéias e pressupostos teóricos, e também a sua capacidade de contaminação sistêmica e transgeográfica.
A partir dos anos 1980, as antologias passaram a ser majoritariamente cronológicas, seguindo o modelo daquela organizada por Ulrich Conrads na Alemanha (CONRADS,1964), que ordenava os textos apenas pelas datas em que estes foram editados, sem se preocupar com o tema abordado ou com o país ou cidade que cada autor retrata ou de que é proveniente. A separação dos textos pela cronologia de suas primeiras edições nos pareceu a melhor maneira de se evidenciar os debates travados a cada época. Pela simples proximidade histórica dos textos é fácil de se reconhecer respostas, empréstimos, reações, confrontos etc, assim, além de clarificar a compreensão da historicidade das teorias, o faz mostrando mais os dissensos, contradições e ambivalências do que as outras formas de ordenação, em particular aquelas temáticas. Do ponto de vista organizacional,1 buscávamos reunir textos internacionais e nacionais de um conjunto de autores e profissionais que marcaram a história intelectual do urbanismo no séc XX, mostrando sobretudo a circulação de idéias, conceitos e experiências entre eles.
Depois de decidir pela forma cronológica para organizar a Antologia, pesquisamos e selecionamos primeiro os textos internacionais que mais circularam, passando em seguida para a pesquisa e seleção de textos nacionais, deixando a possibilidade de se incluir outros textos internacionais que circularam menos, mas que tivessem sido lidos e difundidos no Brasil, e também textos nacionais menos conhecidos por aqui mas que tivessem circulado no exterior. Começamos a redigir apresentações que buscavam contextualizar cada texto selecionado da melhor forma possível: a época da redação, a geografia (onde é editado, a nacionalidade do autor), o tema, os debates da época e do contexto geográfico, o próprio autor em sua época e em seu contexto geográfico, a obra do autor (teórica e prática), a sua importância com relação aos demais debates e/ou projetos, o texto dentro da sua obra (notícias bio-bibliográficas), a relação com outros autores, as contaminações no Brasil e no exterior, ou seja, a circulação de suas idéias. Neste sentido sentimos a necessidade de construir uma Cronologia dessas idéias (inicialmente em papel), pensada apenas como um suporte metodológico para a organização da Antologia.
Percebemos que os discursos no campo do urbanismo, particularmente no nosso país, muitas vezes circulam mais em forma de projetos, planos, ou ainda de eventos, do que de textos publicados com grande circulação (livros ou revistas), e que para abarcar a complexidade do pensamento urbanístico, em particular a partir de seus debates, embates, conflitos - tanto em um dado momento histórico como em um determinado contexto geográfico – e, compreender como essas idéias circulam e possibilitam outros debates em outros contextos, precisamos pensar a produção de pesquisa historiográfica de forma mais complexa do que o tradicional estudo dos discursos através das fontes documentais escritas. Assim a Cronologia, pensada como uma ferramenta auxiliar, acabou ganhando autonomia, e passou a ser um banco de dados reunindo dados, ilustrações e passou a poder ser alimentada continuamente. O banco de dados se tornou um site que nos mostrou outras hipóteses de pesquisa através de sua excepcional e quase infindável possibilidade de leituras, de cruzamento de dados, imagens e informações através de hipertextos. Assim, em 2003, começamos a implementar o site aberto na internet, com banco de dados incorporado: a Cronologia do Pensamento Urbanístico.2
Apresentação – o site da cronologia
O site da Cronologia do Pensamento Urbanístico é alimentado por dois grupos de pesquisa, um na UFRJ e outro na UFBA, ambos cadastrados no CNPq3. O site reúne dados de pesquisa gerados pelas equipes das duas universidades, sendo a equipe carioca responsável pela pesquisa e indexação de dados entre 1800 e 1950 e a equipe baiana pelo recorte mais contemporâneo de 1950 à 2000. O site também aceita a colaboração de pesquisadores externos que desejem colaborar com o traballho coletivo, enviando o resultado de suas pesquisas sob a forma de dados relativos a eventos, projetos, publicações ou qualquer outro dado considerado relevante para a área; verbetes temáticos sobre movimentos, concursos de projetos ou biografias entre outros e, ainda, links relativos a outros sites de interesse. O trabalho de autenticação dos dados coletados e enviados é feito por moderadores de ambas universidades. O site ainda pretende compor um corpo de consultores, formado por pesquisadores de diferentes universidades do país.
O site é concebido como um portal em construção permanente onde cada dado inserido leva, através de páginas secundárias e links, a vários outros tipos de informações correlatas. Estas informações podem ser imagens, no caso de projetos; resenhas, no caso de livros, ou até mesmo outros sites ou ainda textos cedidos por pesquisadores ou profissionais da área que contenham informações relevantes para o aprofundamento dos saberes e da crítica sobre o próprio saber urbanistico. A disposição dos dados em uma linha do tempo permite, entre outros procedimentos, a criação de recortes próprios, ou seja, o usuário do site pode cotejar informações; identificar as temáticas dominantes em um período ou outro; visualizar a circulação de conceitos e dos próprios autores, técnicos, profissionais e artistas de uma região a outra. 4
Buscamos compreender o alcance da circulação de idéias, vocabulários, temas, planos e projetos e vislumbrar as redes intelectuais de pensamento sobre a cidade e o território, como elas são criadas e como alimentam a dinâmica destes fluxos, ou seja, buscamos contribuir para: o estudo da história da profissão, do campo disciplinar e profissional, problematizando a formação de profissionais (ensino/pesquisa) na área do urbanismo; o estudo da história das idéias no Brasil, problematizando a questão das trocas nacionais e internacionais, e dos mecanismos de circulação de idéias; e para o aprofundamento da história do urbanismo no Brasil, buscando problematizar algumas questões ainda não desenvolvidas pela historiografia.
Objetivos – a contribuição historiográfica
A Cronologia do Pensamento Urbanístico é um instrumento de sistematização e divulgação de informações sobre o campo profissional e disciplinar. Seu objetivo geral é contribuir para uma melhor compreensão da circulação das idéias urbanísticas, tanto no âmbito nacional quanto internacional, favorecendo um maior conhecimento da circulação de novas idéias no Brasil e contribuindo, assim, para o fortalecimento de práticas disciplinares mais atentas à especifidades e culturas locais. O site busca oferecer novos insumos para o desenvolvimento de pesquisas e visa, assim, contribuir diretamente para a formação, em diferentes níveis, dos profissionais da área e, indiretamente, para a consolidação do campo do urbanismo, arquitetura e paisagismo e com seu diálogo com outras disciplinas afins.
A Cronologia pretende mapear as redes complexas que construiram e constroem o pensamento urbanístico. Do ponto de vista teórico-metodológico a Cronologia do Pensamento Urbanístico busca auxiliar o trabalho de revisão historiográfica do campo do urbanismo no Brasil, ao permitir questionar, de modo incisivo e preciso – pelos dados que divulga e permite cotejar nas suas diferentes leituras - a pertinência e/ou adequação do uso de noções como transferência, modelo e/ou influência ainda tributárias de uma visão linear, evolucionista, icônica e fechada de história que continua a balizar, por carência de cotejamentos finos e de instrumentos que evidenciem seus contra-sensos e limites, bom número de trabalhos da área.
A ambição mais relevante da Cronologia não é, assim, desenvolver uma linha do tempo propriamente dita mas, graças a ela, chamar a atenção, para a circulação sistêmica, transgeográfica - e muitas vezes sincrônica - de dados entre determinados círculos urbanísticos, formando vastas redes de intercâmbio intelectual, acadêmico, científico e artístico que atuam de maneira complexa. Pretende-se, através da linha do tempo, permitir visualizar o “pensamento em rede” (as redes intelectuais – técnicas, artística, políticas - do pensamento sobre a cidade e o urbanismo) sobre o urbanismo. Prioriza-se, deste modo a observação destas redes de intelectuais, artistas, técnicos e figuras públicas, de modo geral, deslocando com isso formas de compreensão da cultura urbanistica no país e no exterior que se considera apriorísticas, redutoras ou passíveis de serem revistas ou problematizadas.
Questões – as perpectivas críticas
Após esses anos de trabalho em conjunto, os dois grupos de pesquisa, que tiveram diferentes e instáveis configurações ao longo deste tempo (em particular com a entrada e saída de bolsistas de iniciação científica, mestrado e doutorado), sentiram necessidade de questionar seus principais procedimentos e metodologias de trabalho em comum. A equipe carioca retomou o projeto de publicar os primeiros tomos da “Antologia”, sobretudo ao perceber que neste recorte histórico a circulação das idéias e os pricipais debates podem ser retraçados a partir dos textos. Neste caso, a publicação de textos nacionais pouco conhecidos do grande público, abrindo a possibilidade de cotejamento com textos internacionais, já resulta em um avanço historiográfico para nosso campo disciplinar. A nossa regra para inclusão de um texto na Antologia é a sua circulação internacional ou nacional pois nosso interesse inicial era precisamente possibilitar a visibilidade da produção nacional ao lado da internacional, o que ainda não tinha sido feito ou disponibilizado pelos historiadores de forma sistemática.
A equipe soteropolitana passou a se questionar sobre a possibilidade de infiltração na historiografia do urbanismo das resistências ao pensamento urbanístico hegemônico e/ou de idéias mais periféricas (de outras disciplinas, de outras geografias)5. Se essas idéias críticas ou periféricas, que efetivamente não circulam tanto quanto as hegemônicas, não forem infiltradas nas pesquisas históricas, será que não estaremos contribuindo para marginalizá-las e, assim, reforçar ainda mais as idéias hegemônicas? Para tentar não contribuir para a atual construção consensual do pensamento urbanístico precisamos focar na tensão entre o pensamento urbanístico crítico/periférico e o hegemônico e, em particular, nos debates dissensuais e nos conflitos de idéias.
Passamos a trabalhar com uma idéia de historiografia das resistências urbanas6, ou seja, uma pesquisa complementar, a partir dos dados da Cronologia, com objetivo de problematizar as resistências ao pensamento urbanístico hegemônico. Passamos também a tensionar a própria idéia de cronologia, a partir de algumas teorias historiográficas contemporâneas – de inspiração nietzscheana, seja a partir dos conceitos benjaminianos ou foucaultianos - ao fazer uma análise do discurso historiográfico produzido na própria Cronologia, e assim exercitar uma crítica que direcione a busca de uma singularidade da abordagem historiográfica7.
Procuramos mostrar as descontinuidades, as contradições e ambivalências dos discursos (e projetos), e, sobretudo, aquilo que Foucault, a partir de Nietzsche, chamou de “emergências”, uma vez que: “ a emergência designa um lugar de afrontamento” (FOUCAULT, 1979, p.24). Buscamos exercitar uma teoria da história que não foge dos afrontamentos e rupturas. Bucamos apontar as heterogeneidades, emergências e acidentes nas diferentes possibilidades de leituras dos dados, ou seja, não buscamos verdades, origens ou identidades perdidas, assim como não procuramos pacificar a história das idéias urbanísticas. Nosso objetivo é contribuir para uma melhor compreensão da historicidade dos debates sobre as cidades e da complexidade da circulação das idéias urbanísticas, o que pode nos permitir uma melhor problematização tanto do presente do nosso campo disciplinar quanto das nossas cidades e, assim, nos ajudar a construir suas possibilidades futuras.
Referências bibliográficas:
CHOAY, F. Urbanisme, utopie et réalités. Paris: Seuil, 1965.
CONRADS, U. Programme und Manifeste zur Architektur des 20 Jahrhunderts. Berlin: Ullstein, 1964.
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.